O Tribunal Constitucional chumbou a regra do anonimato de dadores da Lei da Procriação Medicamente Assistida, em nome do direito dos filhos a conhecerem as suas origens.
O acórdão do Tribunal Constitucional (TC) surgiu após um pedido de fiscalização da constitucionalidade de alguns aspetos da Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), formulado por um grupo de deputados à Assembleia da República.
Segundo o Público, nem todos os juízes do TC concordaram com o fim do sigilo que protegia os dadores anónimos de esperma, ovócitos ou embriões e que, caso se mantivesse, seria também aplicada à gestação de substituição. Ainda assim, o desaparecimento desta regra prevaleceu no acórdão que chumbou algumas normas da lei da gestação de substituição aprovada em 2016.
O fim do sigilo dos dadores e da identidade das gestantes de substituição foi decidido em nome do direito dos filhos a conhecerem as suas origens “enquanto elemento fundamental da construção da identidade“.
Isto aplica-se a dadores portugueses e de países onde também não existe anonimato, mas não a dadores de países onde vigore o direito à confidencialidade, como Espanha.
O acórdão determina “que mal se compreende, hoje”, que a regra continue a ser o anonimato por esta “constituir uma afetação indubitavelmente gravosa dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade”.
Além disso, qualifica de “desnecessária tal opção“, mesmo no que respeita à salvaguarda do “direito a constituir família” e do “direito à intimidade da vida privada e familiar”. Para proteger tais direitos, o TC admite “o anonimato dos dadores e da gestante de substituição apenas e só quando haja razões ponderosas para tal“.
Rafael Vale e Reis, professor de Direito de Coimbra, explica ao jornal que a posição do TC é “revolucionária”. “Tudo se passa como se não existisse a norma do anonimato dos dadores, como se fosse inválida a partir do momento em que foi aprovada desde 2006. O TC podia ter limitado os efeitos dizendo que o fim do anonimato vigorava só a partir de agora. Não o tendo feito, é como se o anonimato” nunca tivesse existido.
“A solução do TC não é para transformar estas pessoas – dadores ou gestantes de substituição – em mães e pais do ponto de visto jurídico. É apenas para os filhos terem hipótese de as conhecerem“, explica.
O jornal acrescenta ainda que o jurista prevê que uma nova regulamentação da lei venha estabelecer a idade a partir da qual uma pessoa está habilitada a solicitar informação sobre “quem é o dador do material biológico a partir do qual foi gerado”.
Em fevereiro de 2017, PSD e CDS-PP anunciaram o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da procriação medicamente assistida, por considerarem que estavam em causa os direitos à identidade pessoal e genética, entre outros princípios fundamentais.
No caso do acesso à procriação medicamente assistida por parte de todas as mulheres – independentemente de condição médica de infertilidade, do estado civil ou orientação sexual – foi questionada a conformidade à Constituição da República Portuguesa de se estabelecer “como regra o anonimato dos dadores e como exceção a possibilidade de conhecimento da sua identidade”.
Sobre o direito ao conhecimento da identidade genética, os deputados-subscritores do pedido de fiscalização entendiam que, por força da lei da adoção, era “também violado o princípio da igualdade perante a lei, porquanto só uma parte da população portuguesa – a que não nasça por recurso a técnicas de PMA – tem direito ao conhecimento da sua identidade genética”.
ZAP // Lusa