A revista Nature publicou, na semana passada, um artigo que poderá desafiar a teoria da evolução estelar.
“Eu acho que, nos próximos meses, os astrofísicos estelares vão ter que refazer os seus cálculos”, comenta Gilles Fontaine, professor de física da Universidade de Montreal e um dos autores do artigo.
A autora principal, Noemi Giammichele, completou o seu doutoramento em 2016 sob a supervisão conjunta de Fontaine e do seu colega Pierre Bergeron, ambos coautores do artigo, juntamente com outros seis investigadores. O artigo divulga um estudo de dados recolhidos pelo Telescópio Espacial Kepler.
“Conseguimos mapear o interior de uma anã branca pulsante com precisão, como se a tivéssemos cortado em secções transversais para estudar a sua composição”, comenta Giammichele, agora pós-doutorada da Universidade de Toulouse, França. O mapa mostrou que as vibrações da estrela às vezes chegam até ao centro.
As anãs brancas “são os remanescentes dos núcleos de quase 97% das estrelas no Universo”, explicou Robert Lamontagne, diretor de relações media do Centro de Investigação em Astrofísica da Universidade de Montreal.
“À medida que as estrelas morrem lentamente, arrefecendo inexoravelmente sob a forma de anãs brancas, sofrem períodos de instabilidade durante os quais vibram. Estas vibrações profundas – ou sismos estelares – são a chave para ver diretamente o próprio interior destes remanescentes estelares”.
A uma distância de 1375 anos-luz da Terra, a luz que a anã branca KIC08626021 emite é quase invisível aos telescópios no solo. O Kepler, no entanto, pode focar-se nela durante um período prolongado, resultando em imagens significativamente mais detalhadas. Dado que os investigadores de Montreal foram capazes de aceder ao telescópio espacial, os autores puderam examinar de perto esta pequena estrela – com mais ou menos o tamanho da Terra – e as suas vibrações.
Quase 300 cientistas em todo o mundo são especialistas no estudo de anãs brancas. O objetivo inicial de Giammichele era verificar uma teoria sobre esta fase final do ciclo de vida de uma estrela. A teoria mostrou-se correta, mas as observações da equipa levaram a uma série de descobertas surpreendentes.
Um núcleo maior
Ao examinar a estrela, localizada na fronteira das constelações de Cisne e Lira, os investigadores descobriram que o seu núcleo de carbono e oxigénio era duas vezes maior do que o previsto pela teoria.
“Esta é uma grande descoberta que nos forçará a reavaliar a nossa visão de como as estrelas morrem,” comenta Fontaine. “Dito isto, é preciso trabalhar para confirmar se esta observação é válida para outras estrelas. Pode ser apenas uma anomalia.”
“Devemos tentar reproduzir estes resultados com outros corpos celestes antes que possamos tirar conclusões”, concorda Giammichele. Embora KIC08626021 seja a primeira anã branca pulsante identificada pelo telescópio Kepler, já foram descobertas aproximadamente outras 60. “Tenho dados suficientes para passar os próximos 20 anos a analisá-las uma a uma”.
Método inovador
O novo artigo é o quarto de Fontaine na Nature, uma das principais revistas científicas a nível mundial, e a sua publicação encerra um círculo na sua carreira.
Em 1978, o professor vislumbrou o potencial para determinar a estrutura interna de uma anã branca pulsante através de uma sólida compreensão da teoria da evolução estelar. “Mas ainda havia um longo caminho a percorrer”, lembrou. “Em primeiro lugar, não tínhamos acesso a imagens de alta-resolução porque os telescópios terrestres davam imagens muito imprecisas destes corpos. Então tivemos que criar as ferramentas analíticas, o software, etc. E, por último, mas não menos importante, tivemos que encontrar a pessoa certa para continuar a perseguir as pistas.”
Fontaine elogiou a sua ex-aluna, que desenvolveu uma abordagem inovadora para atingir os seus objetivos. Com um doutoramento em engenharia mecânica pelo Politécnico de Montreal, Giammichele aplicou métodos usados no cálculo da aerodinâmica de asas de avião na astrofísica. “Eu penso que esta abordagem foi o que nos permitiu avançar”, comenta Fontaine.
No que toca a Giammichele, está satisfeita que um dos cinco artigos que compõem a sua tese de doutoramento alcance um público mais amplo. “O que eu quero fazer agora, em termos de carreira, é continuar a fazer investigação”, realça. “É o que mais gosto: descobrir como resolver problemas”.
// CCVAlg