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Os humanos conseguem sentir diferenças a nível molecular em superfícies quase idênticas

Jason Pearce / Flickr

Segundo cientistas da Universidade da Califórnia, EUA, o tacto humano é muito mais sensível do que conseguimos perceber: podemos sentir diferenças em nível molecular em superfícies.

“Esta é a maior sensibilidade tátil já demonstrada em seres humanos”, afirmou num comunicado o professor de nanoengenharia e membro do Centro de Sensores Portáteis da Faculdade de Engenharia da Universidade, Darren Lipomi.

O professor liderou o projeto interdisciplinar ao lado do neurocientista Vilayanur Ramachandran, diretor do Centro para o Cérebro e Cognição e professor do Departamento de Psicologia da UCSD.

De acordo com os cientistas, esta descoberta será extremamente importante para o desenvolvimento de peles eletrónicas, próteses que possam sentir, tecnologia háptica avançada para realidade virtual e aumentada e outros.

Tecnologias hápticas não sofisticadas já existem em objetos do dia a dia, como os comandos de video jogos ou os telemóveis que vibram. “Reproduzir sensações táteis realistas é difícil porque ainda não entendemos completamente as formas básicas nas quais os materiais interagem com o sentido do toque“, explicou Lipomi.

No quotidiano, conseguimos sentir facilmente a diferença entre segurar um copo de vidro, um de cerâmica e um de plástico, por exemplo, porque essas superfícies têm diferentes texturas, ou seja, absorvem o calor dos dedos em ritmos diferentes.

A pergunta que os investigadores se fizeram foi: se mantivéssemos todos esses efeitos de larga escala iguais e mudássemos apenas a camada mais superior de moléculas, os humanos conseguiriam sentir a diferença apenas com o tacto? E se sim, como?

“Os recetores que processam sensações da nossa pele são filogeneticamente os mais antigos, mas, longe de serem primitivos, tiveram tempo para desenvolver estratégias extraordinariamente subtis para discernir superfícies – seja a carícia de um amante, cócegas ou a sensação tátil de metal, madeira, papel”, conta Ramachandran.

O investigador acrescenta que este é um dos primeiros estudos a demonstrar a gama de “sofisticação e sensibilidade extraordinária” das sensações táteis. “Are o caminho, talvez, para uma nova abordagem da psicofísica tátil”.

Segundo o artigo publicado no “Materials Horizons”, os cientistas testaram se os humanos conseguiam sentir a diferença – arrastando ou batendo o dedo pela superfície – entre bolachas de silício cuja única diferença era a camada superior de moléculas.

Uma superfície tinha uma única camada oxidada feita principalmente de átomos de oxigénio. Já a outra tinha uma única camada composta por átomos de flúor e carbono, similar ao teflon. A aparência de ambas era idêntica e eram suficientemente semelhantes ao toque para alguns participantes não conseguirem diferenciar uma da outra.

O facto de os humanos conseguirem diferenciar uma da outra apenas com o tacto deve-se a um fenómeno conhecido como stick-slip (“grudar-deslizar”, em tradução literal), o movimento repentino que ocorre quando dois objetos em repouso começam a deslizar um contra o outro.

É este o responsável pelo som emitido quando passamos o dedo pela borda de uma taça de vinho, o ranger de uma porta ou o barulho de um comboio a parar, já que cada uma das superfícies têm frequências de stick-slip diferente devido às moléculas que compõem a sua camada superior.

Num dos testes, 15 indivíduos receberam a tarefa de sentir três superfícies e identificar a diferença entre elas – o índice de sucesso foi de 71%. Noutro, os participantes receberam três tiras diferentes de bolacha de silício, cada uma contendo uma sequência diferente de 8 pedaços de superfícies oxidadas e semelhantes ao teflon. Cada sequência tinha, por sua vez, uma cadeia de 8 dígitos de 0s e 1s, que codificava uma letra específica no alfabeto ASCII.

Os indivíduos tinham que “ler” essas sequências arrastando um dedo de uma extremidade a outra da tira e observar quais pedaços na sequência eram as superfícies oxidadas e quais eram as superfícies semelhantes ao teflon. Nesta experiência, 10 dos 11 indivíduos descodificaram os pedaços necessários para soletrar a palavra “Lab” (com as letras maiúsculas e minúsculas corretas) mais de 50% das vezes. Os participantes levaram uma média de 4,5 minutos para descodificar cada letra.

Os cientistas descobriram que a velocidade e a força do toque do dedo nas superfícies também colaboram para a identificação pelo tato. As experiências foram modeladas com um “dedo simulado”, um dispositivo semelhante a um dedo feito de um polímero orgânico que é ligado a um sensor de força por uma mola. O dedo foi arrastado pelas superfícies usando múltiplas combinações de força e velocidade de deslocação, o que levou à conclusão de que ambos os fatores influenciam na diferenciação.

Lipomi explica que os resultados revelam uma notável habilidade humana para escolher rapidamente as combinações certas de força e velocidade necessárias para sentir a diferença entre superfícies.

“Também é interessante que o dispositivo de dedo simulado, que não tem nada parecido com as centenas de nervos no nossa pele, tem apenas um sensor de força e ainda é capaz de registar as informações necessárias para sentir a diferença nessas superfícies. Isso diz-nos que não são apenas os mecanorrecetores na pele, mas os recetores nos ligamentos, juntas, pulso, cotovelo e ombro que podem permitir que os humanos sintam pequenas diferenças usando o toque”, acrescentou.

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