Um título manuscrito por Goya foi descoberto no Museu do Prado, na parte de trás de uma imagem relacionada com a justiça, informou hoje a Pinacoteca da instituição madrilena.
O documento, com o título “Nem a todos convém a justiça”, foi descoberto na parte de trás de uma imagem relacionada com a justiça, que estava num álbum coberto por uma folha de papel cor-de-rosa, que ocultava aquela frase desde meados do século XIX, acrescentou a Pinacoteca.
A descoberta ocorreu durante os trabalhos de restauro do catálogo ‘raisonné’ dos desenhos de Francisco de Goya – um catálogo com listagem descritiva e anotada, imagens e documentos de contextualização da obra do artista – para a exposição que a Fundação Botín vai inaugurar no dia 23 no novo Centro Botín, em Santander.
Para o Museu do Prado, a descoberta reveste-se de uma “grande importância para compreender o sentido do desenho e a forma de pensar do autor”.
“Este título é um exemplo da capacidade de Goya para interpretar a sociedade do seu tempo, em que as liberdades políticas e a justiça, promovidas pela Constituição de Cádis, não causaram o mesmo entusiasmo em toda a população “, lê-se no comunicado do Museu do Prado hoje divulgado.
“Texto e desenho são também um sinal da importância da obra de Goya, que mantém a atualidade, já que as suas composições são emblemáticas do comportamento e da essência dos seres humanos”, acrescenta o comunicado.
O desenho faz parte do “Álbum C”, realizado entre os anos da Guerra da Independência e os posteriores da repressão fernandina. Alguns autores têm, contudo, atrasado os anos finais do Triénio Liberal (1820-1823), alegando que os últimos desenhos podem estar relacionados com a restauração, em 1820, da Constituição de Cádis.
O álbum aborda temas distintos, que vão da vida quotidiana, com a presença de mendigos, até visões oníricas noturnas. Um grande grupo de originais é composto por desenhos de condenados pela Inquisição e contém cenas de crueldade nas prisões.
Um outro conjunto de desenhos incide na crítica aos costumes das ordens monásticas, na representação da vida dos frades e no processo de secularização após os decretos de desvinculação.
Por último, há um conjunto dedicado às liberdades políticas elaborado sob o entusiasmo que provocou a proclamação da Constituição de Cádis. Trata-se do álbum com maior número de desenhos e que está quase intacto, conservando-se no Museu do Prado 120 dos 126 desenhos conhecidos.
O Prado recorda que, “lamentavelmente, este álbum, como os restantes elaborados por Goya, foi desmembrado após a morte do pintor”.
Foi o seu filho Xavier que ficou encarregado de elaborar os desenhos em três álbuns factícios, “seguramente já com o objetivo de os vender”. “E um desses álbuns deu entrada no Museu em 1872 proveniente do Museu da Trindade”, refere o documento do Prado.
O desenho, cujo título foi agora descoberto, fazia parte de um álbum encadernado em pele vermelha, com folhas de papel rosa, que continha 186 desenhos variados, provenientes de diferentes álbuns, desde o de Sanlúcar ao de Bordéus, e que o museu espanhol da Trindade adquiriu, em 1866, a Román Garreta y Huerta.
No desenho intitulado “Lux ex tenebris” (Álbum C 117, D-4086), uma mulher com a Constituição de 1820 nas mãos personifica a Verdade que a todos ilumina contra as forças do Antigo Regime, representadas pelas sombras.
Foi na parte de trás deste desenho que se encontrou o novo texto que comenta a ilustração seguinte do álbum “Nem a todos convém a justiça” (Álbum C 118, D-4084).
Este desenho é o único que não tem título escrito por baixo da imagem, já que a composição cobre toda a folha de papel, motivo pelo qual talvez Goya tenha escrito o título nas costas do anterior.
O desenho dá conta das reações que provoca a chegada da justiça, com a constituição liberal de Cádis de 1812.
Neste desenho, a balança, que resplandece como um sol que ilumina tudo, causa admiração e alegria entre os seus partidários, situados à esquerda, e temor, entre os seus detratores, à direita.
// Lusa