Há 48 anos, as mulheres islandesas fizeram uma greve geral — e as salsichas esgotaram num dia

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Arquivos da História das Mulheres da Islândia

Protesto das mulheres em Reykjavík

O protesto paralisou o país e mudou para sempre a forma como o trabalho feminino era encarado, naquela que é considerada a nação mais feminista do mundo.

Foi há precisamente 48 anos, a 24 de Outubro de 1975, que a Islândia foi palco de uma greve de apenas um dia que mudou o curso da sua história.

Em vez de irem para o trabalho ou ficarem em casa a cuidar das tarefas domésticas e das crianças, milhares de mulheres islandesas saíram às ruas, num movimento que ficou conhecido como o “Dia de Folga das Mulheres“.

O evento sem precedentes tinha como objectivo “demonstrar o trabalho indispensável das mulheres para a economia e sociedade da Islândia” e “protestar contra a discrepância salarial e prácticas laborais injustas“. Estima-se que cerca de 90% das islandesas aderiram ao protesto.

Naquela altura, na Islândia, cerca de 50% das mulheres em idade activa trabalhavam fora de casa e também faziam a maior parte das tarefas domésticas, mas ganhavam, em média, 60% menos do que os homens.

Na capital Reykjavík, cerca de 25 mil mulheres — num país que na altura tinha apenas 220 mil habitantes — reuniram-se para protestar a favor de um maior reconhecimento do trabalho invisível e não remunerado que faziam.

Vários escritórios, fábricas e bancos tiveram de fechar. Sem professoras ou educadoras de infância a trabalhar, grande parte das escolas também ficou de portas encerradas, o que obrigou os homens a levar as crianças para o trabalho.

Há relatos de pais a ter de levar doces e lápis de cor para entreter a multidão de crianças que invadiram os escritórios e de outros que tiveram de “subornar” os filhos mais velhos para que estes ficassem a cuidar dos irmãos mais novos.

As salsichas e os cachorros quentes, fáceis de preparar e populares entre as crianças, voaram rapidamente das prateleiras dos supermercados, deixando os pais que não sabiam cozinhar sem opções para alimentar os filhos famintos.

Foi um batismo de fogo para alguns pais, que chegaram ao fim do dia exaustos. Talvez seja esta a razão pela qual o evento também ficou conhecido como “Sexta-feira longa”.

“Abriu os olhos de muito homens”

O impacto do protesto não passou despercebido, com a primeira Lei da Igualdade de Género, que proíbe a discriminação com base no género, a ser adoptada na Islândia um ano depois, em 1976.

O evento também foi creditado por abrir caminho para a eleição da primeira mulher Presidente da Islândia, Vidgís Finnbogadóttir, que em 1980 se tornou a primeira mulher no mundo a ser eleita democraticamente como chefe de Estado.

“O que aconteceu naquele dia foi o primeiro passo para a emancipação das mulheres na Islândia. Paralisou o país completamente e abriu os olhos de muitos homens”, considera Vidgís.

A ex-Presidente lembra-se de “ouvir as crianças a brincar enquanto os apresentadores liam as notícias no rádio”. “Foi uma coisa boa de se ouvir e saber que os homens tinham que tomar conta de tudo”, recorda à BBC.

Entre os oradores do comício em Reykjavik estavam uma dona de casa, duas deputadas, ou uma representante do movimento de mulheres. O discurso final foi proferido por Adalheidur Bjarnfredsdottir, dirigente do sindicato das mulheres que trabalhavam nas limpezas, nas cozinhas e nas lavandarias.

“Ela não estava habituada a falar em público, mas tornou-se conhecida com este discurso porque foi muito forte e inspirador. Mais tarde, ela foi deputada“, explica Audur Styrkarsdottir, directora dos Arquivos Históricos das Mulheres da Islândia.

E o que é os homens acharam de tudo isto?  “Acho que no início eles pensaram que era algo engraçado, mas não me lembro de nenhum deles ter ficado zangado. Os homens perceberam que se se opusessem a isto ou se recusassem a ceder a folga às mulheres, teriam perdido a sua popularidade“, defende Vidgís.

“As coisas voltaram ao normal no dia seguinte, mas com a consciência de que as mulheres são, assim como os homens, pilares da sociedade. Tantas empresas e instituições pararam e isso mostrou a força e a necessidade das mulheres – mudou completamente a forma de pensar”, frisa.

Cinco anos depois, Vigdis derrotou três candidatos homens à presidência e foi uma chefe de Estado tão popular que foi reeleita sem oposição em duas das três eleições seguintes, liderando o país durante 16 anos.

Legado da greve

A mudança de mentalidade trazida pela greve foi tal que hoje em dia a Islândia é considerada por muitos o país mais feminista do mundo.

Nas eleições legislativas de 1983, o partido totalmente feminino “Aliança das Mulheres” conquistou os seus primeiros lugares. Actualmente, 30 dos 63 deputados no Parlamento da Islândia são mulheres.

Em 2000, foi introduzida a licença de paternidade remunerada para os homens e, em 2010, o país teve a sua primeira primeira-ministra, Johanna Sigurdardottír – que foi também primeira chefe de Governo abertamente gay do mundo.

A cada 10 anos, no aniversário do Dia de Folga, as mulheres saem do trabalho mais cedo, com o protesto a acontecer agora cada vez mais frequentemente. Dados de 2016 indicam que mulheres ainda ganhavam, em média, entre 14% a 18% menos do que os seus colegas homens.

De acordo com sindicatos, isto significa que em cada oito horas diárias as mulheres trabalham essencialmente sem remuneração a partir das 14h38, tendo sido esta a hora escolhida para o início do protesto. Em 2005, as mulheres saíram dos empregos às 14h08 e em 2008 às 14h25.

A Segunda-feira Negra de 2016, na Polónia, também foi inspirada na greve islandesa de 1975. O ano de 1975 foi apelidado de Ano Internacional da Mulher pelas Nações Unidas, em parte graças ao protesto das islandesas.

A 24 de outubro de 2023, deverá realizar-se a segunda greve de mulheres desde 1975, novamente a fim de chamar a atenção para as disparidades salariais entre homens e mulheres e para a violência contra as mulheres. O protesto vai contar com a adesão da própria primeira-ministra, Katrín Jakobsdóttir.

Resta-nos esperar para ver se os cachorros-quentes vão voltar a esgotar esta terça-feira.

Adriana Peixoto, ZAP //

2 Comments

  1. Talvez no estado misandrico português os homens também tenham de fazer greve, para ver se o governo acorda e se controla o feminazismo!…
    E se acaba com as discriminações ao homem!..
    Embora o povo seja manso!.. e os homens nem se fala!..
    No pais com uma das mais altas taxas de divórcio do mundo, são mansos e cornudos!.. mas é um direito da mulher, assim como matar bebés aos milhões… E golpes da barriga..
    Mas ainda pensam que são machos latinos!..:))))?

  2. Tuga Manso, você é o protótipo do homem das cavernas e completamente fora do seu tempo. É uma vergonha para o seu género, dê as minhas condolências à sua mãezinha.

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