Webb confirma o ritmo da expansão do Universo. O mistério da Tensão de Hubble complica-se

Galáxia espiral NGC 5584, a 72 milhões de anos-luz da Terra. Os astrónomos utilizam as variáveis Cefeidas e as supernovas do Tipo Ia como marcadores de distância fiáveis para medir o ritmo de expansão do Universo.

O ritmo de expansão do Universo, a que se dá o nome constante de Hubble, é um dos parâmetros fundamentais para compreender a evolução e o destino final do cosmos.

No entanto, observa-se uma diferença persistente, designada por “Tensão de Hubble“, entre o valor da constante medido com uma vasta gama de indicadores de distância independentes e o seu valor previsto a partir do brilho remanescente do Big Bang.

O Telescópio Espacial James Webb da NASA fornece novas capacidades para analisar e aperfeiçoar algumas das mais fortes evidências observacionais desta tensão.

Adam Riess, da Universidade Johns Hopkins e do STScI (Space Telescope Science Institute), laureado com o Prémio Nobel, apresentou o seu trabalho recente e o dos seus colegas, no qual usaram observações do Webb para melhorar a precisão das medições locais da constante de Hubble.

“Alguma vez se esforçou por ver um sinal que estava no limite da sua visão? O que é que ele diz? O que é que significa? Mesmo com os telescópios mais potentes, os ‘sinais’ que os astrónomos querem ler são tão pequenos que também temos dificuldade em vê-los.

“O sinal que os cosmólogos querem ler é um sinal cósmico de limite de velocidade que nos diz a que velocidade o Universo se está a expandir – um número chamado constante de Hubble. O nosso sinal está escrito nas estrelas de galáxias distantes”, explica Riess.

“O brilho de certas estrelas nessas galáxias diz-nos a que distância estão e, portanto, durante quanto tempo esta luz viajou até chegar a nós, e os desvios para o vermelho das galáxias dizem-nos quanto o Universo se expandiu durante esse tempo, indicando-nos assim o ritmo de expansão”, acrescenta.

NASA, ESA, A. Riess (STScI), W. Yuan (STScI)

Este diagrama ilustra o poder combinado dos telescópios espaciais Hubble e Webb da NASA na determinação de distâncias exactas a uma classe especial de estrelas variáveis que é utilizada na calibração do ritmo de expansão do Universo. Estas estrelas variáveis Cefeidas são observadas em campos estelares muito povoados. A contaminação da luz pelas estrelas circundantes pode tornar a medição do brilho de uma Cefeida menos precisa. A visão infravermelha mais nítida do Webb permite que um alvo Cefeida seja mais claramente isolado das estrelas circundantes, como se vê no lado direito do diagrama. Os dados do Webb confirmam a exatidão de 30 anos de observações de Cefeidas pelo Hubble, que foram fundamentais para estabelecer o degrau inferior da escada da distâncias cósmicas para medir o ritmo de expansão do Universo. À esquerda, NGC 5584 é vista numa imagem composta do instrumento NIRCam (Near-Infrared Camera) do Webb e do WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble.

Uma classe particular de estrelas, as variáveis Cefeidas, tem-nos dado as medições de distância mais precisas desde há mais de um século, porque estas estrelas são extraordinariamente brilhantes: são estrelas supergigantes, com uma luminosidade cem mil vezes superior à do Sol.

Além disso, elas pulsam (isto é, expandem-se e contraem-se) durante um período de semanas que indica a sua luminosidade relativa. Quanto mais longo for o período, mais brilhantes são intrinsecamente.

“São a ferramenta de referência para medir as distâncias de galáxias a cem milhões de anos-luz de distância ou mais, um passo crucial para determinar a constante de Hubble”, explica Riess.

“Infelizmente, as estrelas nas galáxias estão amontoadas num pequeno espaço a partir do nosso ponto de vista distante e, por isso, muitas vezes não temos a resolução necessária para as separar das suas vizinhas na linha de visão”, acrescenta o astrónomo.

“Uma das principais justificações para a construção do Telescópio Espacial Hubble foi a resolução deste problema”, diz Riess.

Antes do lançamento do Hubble, em 1990, e das medições das Cefeidas, o ritmo de expansão do Universo era tão incerto que os astrónomos nem sabiam se o Universo se estava a expandir há 10 mil milhões ou há 20 mil milhões de anos — porque um ritmo de expansão mais rápido leva a uma idade mais jovem do Universo e um ritmo de expansão mais lento a uma idade mais velha do Universo.

O Hubble tem uma melhor resolução no comprimento de onda visível do que qualquer telescópio terrestre porque está situado acima dos efeitos de desfocagem da atmosfera da Terra.

Como resultado, pode identificar variáveis Cefeidas individuais em galáxias que estão a mais de cem milhões de anos-luz de distância e medir o intervalo de tempo durante o qual mudam de brilho.

“No entanto, também temos de observar as Cefeidas na parte do infravermelho próximo do espectro, para ver a luz que passa incólume através da poeira (a poeira absorve e dispersa a luz visível azul, fazendo com que os objetos distantes pareçam ténues e fazendo-nos crer que estão mais longe do que estão)”, explica o astrónomo.

Infelizmente, a visão da luz vermelha do Hubble não é tão nítida como a da luz azul, pelo que a luz das estrelas Cefeidas que vemos está misturada com outras estrelas no seu campo de visão.

Podemos ter em conta a quantidade média desta mistura, estatisticamente, da mesma forma que um médico calcula o peso subtraindo o peso médio das roupas à leitura da balança, mas isso acrescenta ruído às medições. As roupas de algumas pessoas são mais pesadas do que outras.

“No entanto, a visão nítida no infravermelho é um dos superpoderes do Telescópio Espacial James Webb. Com o seu grande espelho e ótica sensível, consegue separar facilmente a luz das Cefeidas das estrelas vizinhas com pouca mistura”, diz Riess.

“No primeiro ano de operações do Webb, com o programa de Observadores Gerais 1685, recolhemos observações de Cefeidas encontradas pelo Hubble em dois passos ao longo do que é conhecido como a escada de distâncias cósmicas“, acrescenta.

O primeiro passo envolve a observação de Cefeidas numa galáxia com uma distância geométrica conhecida que nos permite calibrar a verdadeira luminosidade das Cefeidas.

“Para o nosso programa, essa galáxia é NGC 4258“, nota o investigador.

O segundo passo é observar Cefeidas nas galáxias hospedeiras de supernovas recentes do Tipo Ia. A combinação dos dois primeiros passos transfere o conhecimento da distância às supernovas para calibrar as suas verdadeiras luminosidades.

O terceiro passo é observar essas supernovas a uma grande distância, onde a expansão do Universo é aparente e pode ser medida comparando as distâncias inferidas a partir da sua luminosidade e os desvios para o vermelho das galáxias hospedeiras das supernovas.

Esta sequência de passos é conhecida como a escada de distâncias.

“Obtivemos recentemente as nossas primeiras medições Webb dos passos um e dois, o que nos permite completar a escada de distâncias e comparar com as medições anteriores do Hubble”, diz Riess.

As medições do Webb reduziram drasticamente o ruído nas medições das Cefeidas devido à resolução do observatório nos comprimentos de onda do infravermelho próximo.

“Este tipo de melhoria é o sonho dos astrónomos! Observámos mais de 320 Cefeidas nas duas primeiras etapas. Confirmámos que as anteriores medições do Telescópio Espacial Hubble eram exatas, embora mais ruidosas. Também observámos mais quatro hospedeiras de supernovas com o Webb e verificámos um resultado semelhante para toda a amostra”, realça o astrónomo.

NASA, ESA, A. Riess (STScI) e G. Anand (STScI)

Comparação das relações período-luminosidade das Cefeidas utilizadas para medir distâncias. Os pontos vermelhos são do Webb da NASA e os pontos cinzentos são do Hubble da NASA. O painel superior é para NGC 5584, a hospedeira da supernova de Tipo Ia, com a inserção a mostrar selos de imagem da mesma Cefeida vista por cada telescópio. O painel inferior é para NGC 4258, uma galáxia com uma distância geométrica conhecida, com a inserção a mostrar a diferença nos módulos de distância entre NGC 5584 e NGC 4258, medida com cada telescópio. Os dois telescópios estão em excelente concordância.

O que os resultados ainda não explicam é porque é que o Universo parece estar a expandir-se tão rapidamente! Podemos prever o ritmo de expansão do Universo observando a sua imagem de bebé, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas e depois utilizar o nosso melhor modelo de como cresce ao longo do tempo para nos dizer a que velocidade o Universo deverá estar a expandir-se atualmente.

O facto de a medida atual do ritmo de expansão exceder significativamente a previsão é um problema que já dura há uma década, chamado “A Tensão de Hubble”. A possibilidade mais excitante é que a Tensão seja uma pista sobre algo que nos está a faltar na nossa compreensão do cosmos.

“Pode indicar a presença de energia escura exótica, matéria escura exótica, uma revisão da nossa compreensão da gravidade, ou a presença de uma partícula ou campo único”, sugere Adam Riess.

A explicação mais mundana seria a existência de múltiplos erros de medição que conspiram na mesma direção; os astrónomos excluíram a possibilidade de um único erro utilizando passos independentes, por isso é que é tão importante refazer as medições com maior fidelidade.

Com o Webb a confirmar as anteriores medições do Hubble, são as evidências mais fortes até agora de que os erros sistemáticos na fotometria das Cefeidas pelo Hubble não desempenham um papel significativo na atual Tensão do Hubble.

“Como resultado, as possibilidades mais interessantes permanecem em cima da mesa e o mistério da Tensão aprofunda-se”, conclui Riess.

// CCVAlg

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