Violência e insultos a deputados Tory. Parlamento britânico investiga alegada intimidação do Governo

Tolga Akmen/EPA

Liz Truss à saída de Downing Street

Membros do Governo estão a ser acusados de pressionar e até atacar fisicamente os deputados Conservadores que contrariaram a disciplina de voto. O Parlamento britânico já está a investigar.

As divisões internas no Partido Conservador atingiram um pico na sessão parlamentar desta quarta-feira, havendo até acusações de intimidação física e insultos.

Em causa estava uma proposta de lei dos Trabalhistas que visava limitar o uso da fraturação hidráulica, uma técnica de extração de gás e petróleo que tem um enorme impacto ambiental. Tal como o Governo antecipava, a lei acabou chumbada, dada a maioria Conservadora no Parlamento.

No entanto, a votação não foi referente apenas à lei em si, com Downing Street a fazer saber aos deputados que o voto seria encarado como um teste de lealdade e uma moção de confiança ao Governo. Caso não votassem contra, os deputados seriam expulsos e perderiam o seu mandato.

Os whips Conservadores — que são responsáveis pela coordenação e disciplina dos deputados — ordenaram aos parlamentares que votassem contra a lei dos Trabalhistas. A confusão era visível nos corredores antes da votação.

Mesmo assim, os argumentos não convenceram as dezenas de deputados Tory que não seguiram as instruções do executivo e votaram a favor do pacote Trabalhista, de forma a manifestarem o seu descontentamento com o Governo de Liz Truss.

Meros minutos antes do voto, Graham Stuart, Ministro do Clima, afirmou que, afinal, o voto não era uma moção de confiança ao Governo, o que gerou ainda mais confusão. Este recuo terá levado a que a líder dos whips, Wendy Morton, e o seu número dois, Craig Whittaker, se tenham demitido. No entanto, o gabinete de Truss já veio a público negar a demissão e confirmar que os dois whips vão continuar nos seus cargos.

A confusão em Westminster terá mesmo chegado à violência. De acordo com o relato do deputado Trabalhista Chris Bryant, os deputados Conservadores estavam a sofrer “bullying óbvio” e deviam ter a liberdade para votar “sem medo ou favores”.

Mais tarde, Bryant esclareceu que testemunhou comportamentos “muito agressivos, muito zangados” nos bastidores antes da votação, falando em “intimidação”. A deputada Trabalhista Anna McMorrin também revelou no Twitter que viu deputados a serem empurrados e a chorar nos corredores.

“Vi um grupo de deputados a empurrarem um membro através de uma porta. Vi provas fotográficas da mão de um deputado em cima de um outro. Nunca vi nada assim. Isto está a acontecer por causa do caos total no Governo”, revela Bryant à BBC, acrescentando que um dos whips “chorou no meu ombro”.

Bryant afirmou ainda que viu os Ministros da Saúde e da Economia, Therese Coffey e Jacob Rees-Mogg, respectivamente, a rodear e insultar os colegas no corredor.

Questionado sobre estas acusações, Rees-Mogg disse à Sky News que “descrever o que aconteceu como bullying é errado” e Coffey diz apenas ter “encorajado” os deputados e não forçou ou pressionou ninguém.

Entretanto, o presidente da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle, anunciou ter aberto uma investigação aos incidentes. “Comportamentos como aqueles vistos na noite passada não são aceitáveis em qualquer circunstância”, afirmou.

No total, 40 deputados Conservadores nem sequer votaram e a liderança do partido vai agora avançar com processos disciplinares, de acordo com o The Guardian. Downing Street não respondeu às questões sobre que tipo de punições o partido vai dar aos deputados rebeldes.

“Truss tem de sair o mais rápido possível”

O Conservador Charles Walker descreveu a situação como “indesculpável” e “absolutamente vergonhosa“, manifestando-se “furioso” com as cenas a que assistiu e disse que “a paciência chegou ao limite”.

“A menos que nos organizemos e nos comportemos como adultos, receio que muitas centenas dos meus colegas, talvez 200, saiam por vontade dos seus eleitores”, disse, a propósito de uma potencial derrota eleitoral. “Para todos os que elegeram Liz Truss, espero que tenha valido a pena“, atirou.

Também à BBC, o Conservador Simon Hoare confessou sentir “fúria, desespero, tristeza” perante a instabilidade no Governo e grupo parlamentar.

“É preocupante”, reconheceu, defendendo uma “grande remodelação governamental” e dando à primeira-ministra “cerca de 12 horas” para mostrar que é capaz de “virar o barco”. “Hoje e amanhã são dias decisivos”, disse, apontando para o “crescente sentimento de pessimismo em todas as alas do partido”.

O antigo negociador do processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), David Frost, juntou a voz ao crescente coro de vozes a pedir a demissão de Liz Truss, em funções há apenas 44 dias.

“Liz Truss deve sair o mais depressa possível. O sucessor, seja quem for, deve ser capaz, competente, e capaz de comunicar eficazmente”, escreveu hoje num artigo de opinião no jornal Daily Telegraph.

Ainda durante o debate e antes da confusão com a votação da proposta dos Trabalhistas, Truss voltou a ouvir a oposição a gritar “demita-se!” várias vezes, mas recusou novamente sair do cargo. “Fui muito clara. Pedi desculpa e cometi erros. O correcto nestas circunstâncias é fazer mudanças, como fiz, e continuar a trabalhar para servir o povo britânico. Sou uma combatente, não uma desistente”, afirmou.

Mais uma saída no Governo

Depois de Truss ter demitido Kwasi Kwarteng da pasta das Finanças após o seu desastroso mini-orçamento, já houve mais uma baixa no Governo, com a Ministra do Interior a sair pelo seu próprio.

Suella Braverman afirma que o recuo nas políticas económicas do executivo foram parte do que a levou a sair. “Estou preocupada com o futuro deste Governo. Não só quebrámos promessas importantes que fizemos aos nossos eleitores, como tenho grandes dúvidas sobre a vontade deste Governo de honrar os compromissos do nosso programa político”, afirma.

Braverman explica ainda que decidiu sair do cargo por ter usado o seu email pessoal para enviar um documento oficial relativo a uma declaração sobre as políticas migratórias a um deputado.

“Assim que me apercebi do meu erro, reportei-o rapidamente através dos canais oficiais. Como Ministra do Interior, exijo a mim mesma estar à altura dos mais elevados padrões éticos, e a minha demissão é a decisão certa. Cometi um erro, aceito a responsabilidade, demito-me”, remata.

Adriana Peixoto, ZAP //

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