Os humanos vivem na Terra há milénios, mas já colocaram um pé na Lua e um dia estarão lá novamente. E talvez em Marte ou mais além. Quando o fizerem, isso irá alterar a sua forma de pensar e sentir, afetando a espiritualidade e a psique – e talvez redefinindo a humanidade.
Ao longo da História, temos associado a nossa espiritualidade, mitos e religiões ao Sol. Jason Batt, autor de ficção científica, mitologista e futurista, passou muito tempo a pensar como a nossa relação com os céus mudará quando voarmos pelo espaço.
Ainda que associemos as viagens espaciais a feitos de engenharia e ciência, existe uma ligação à mitologia. Vemos isto na forma como nomeamos os foguetões. Ir ao espaço é um feito, não só para tecnologia, mas também para os nossos espíritos.
“Há uma transformação espiritual que acontece a qualquer grupo da humanidade que dê o salto. Alteramo-nos e mudamos quando passamos a uma nova fase num novo ambiente”, indicou Jason Batt.
Sempre que fazemos a transição para um lugar diferente, começamos a formar novas ideias. As histórias crescem a partir dessas ideias e tranformam-se em lendas e mitos. Quando voltarmos à Lua e às estrelas, o que vai acontecer? Num artigo publicado recentemente, o Big Think fez algumas suposições.
Os humanos costumavam pensar que a Terra era o centro do Universo, depois o Sol. Mas à medida que fomos conhecendo o espaço verificamos que não estamos no centro. Este é o início do conceito do “terror cósmico”. O Universo é grande, maior do que a nossa mente consegue compreender.
Agora que nos aventuramos no espaço, “percebemos que o Universo é muito maior e nós somos muito mais pequenos do que alguma vez poderíamos ter imaginado. É algo muito assustador quando reconhecemos a nossa potencial insignificância face a tudo isso”, referiu Jason Batt.
Outro facto que temos que ter em consideração é que o espaço é um lugar duro, desde o vácuo à radiação cósmica, passando pela falta de gravidade. Isso deixa os astronautas isolados. “Será que possuímos, psicologicamente, os instrumentos para lidar com essa sensação de isolamento?”, questionou o especialista.
Mas há outra “experiência espiritual” que podemos ter ao viajam pelo espaço – designada por efeito overview, nome cunhado pelo filósofo espacial Frank White.
Muitos astronautas já relataram o efeito: uma profunda experiência espiritual quando olham para a Terra a partir do espaço. Olhando para o planeta, as fronteiras entre nações desaparecem e os astronautas vêm quão fina é a atmosfera – conseguem ver e perceber a fragilidade da Terra.
Ao entrevistar vários astronautas que foram ao espaço, Deana Weibel, professora da Universidade de Grand Valley, descobriu que tinham muitas experiências diferentes. “Um tema geral entre muitos tem sido a sensação de que a atmosfera é fina e que a Terra precisa de ser protegida”, disse ao Big Think.
“Houve um reconhecido surpreendente de que a natureza do Universo não era como me tinham ensinado. Não o só vi a relação, também a senti. Fiquei impressionado com a sensação de me estender física e mentalmente para o cosmos. Percebi que esta era uma resposta biológica do meu cérebro a tentar reorganizar-se e dar sentido à informação sobre os processos que tive o privilégio que ver”, contou o astronauta Edgar Mitchell, a sexta pessoa a aterrar na Lua.
Olhar para a Terra a partir do espaço também nos faz perceber que já não somos habitantes de uma determinada vila, cidade ou país. Somos membros do nosso planeta, juntamente com todas as outras pessoas – independentemente da raça, nacionalidade ou religião – e com os animais.
Deana Weibel disse ao Big Think que outro efeito espacial que os astronautas têm é quando olham para a direção oposta – efeito a que chamou “efeito ultraview”, ocorrendo quando os astronautas olham para o espaço após os seus olhos de adaptarem à escuridão. De acordo com esses relatos, as estrelas brilham tanto e estão tão perto que parecem uma parede branca, sem espaço entre elas.
À medida que se começa a entrar no espaço, isso irá mudar-nos e à nossa espiritualidade. “Estamos apenas a começar a colocar os nossos dedos dos pés na água. É mais do que propulsão. É mais do que apenas exploração. É mais do que apenas satélites. É a humanidade a ter de reconhecer que estamos a entrar na morada dos deuses”, indicou Jason Batt.
Deana Weibel explicou que muitas das nossas ideias religiosas estão ligadas à Terra. “O rio Ganges é sagrado no Hinduísmo e seria deixado para trás [se deixássemos a Terra]. Os calendários judeu e muçulmano baseiam-se no movimento da Lua em torno da Terra. Se a órbita da Lua à volta da Terra se tornar algo distante e apenas observável através de telescópios de alta potência, será que isso continuará a influenciar as atividades religiosas dos colonos no espaço? Será que o nosso Sol se tornará uma estrela sagrada? Ou será que os colonos muçulmanos em Marte ou uma das luas de Júpiter rezarão na direção da Terra?”, indagou a professora.
Imaginando um futuro longínquo, onde as pessoas não vivem apenas na Estação Espacial Internacional mas também na Lua, em Marte ou talvez numa nave estelar intergeracional, como mudarão ou sobreviverão as histórias, religiões e espiritualidades?
As gerações futuras pensarão o espaço de forma diferente da que pensamos agora. A Lua poderá ser não apenas um luz no céu noturno, mas um lar. O que pensarão eles da Terra? Será como o Éden, o lugar de origem, ou tipo um inferno primitivo?