Localizado no meio da Amazónia, numa ilha cheia de história, o Observatório Magnético de Tatuoca faz medições que contribuem para a operação de satélites, linhas de transmissão e outros sistemas tecnológicos.
A Ilha de Tatuoca, a meia hora de barco de Belém, no Pará, está deserta. No passado, foi palco de episódios da revolta da Cabanagem e foi um espaço de quarentena para pessoas suspeitas de terem doenças contagiosas.
Mas, desde o início do século XX, passou a fazer parte da história da ciência. Hoje, abriga o Observatório Magnético de Tatuoca, que faz parte de uma rede mundial que monitora o campo magnético da Terra.
Fundado em 1957, o Observatório Magnético de Tatuoca ajuda a desvendar o campo magnético da Terra.
No interior do planeta, no núcleo externo, a mais de 2.900 quilómetros de profundidade, ferro e níquel movimentam-se continuamente para formar o campo magnético da Terra – um escudo fundamental para a manutenção da vida, oferecendo proteção contra o vento solar e os raios cósmicos.
Para compreender a história do campo magnético e projetar o seu futuro, são necessários modelos informáticos. E “para criar modelos e entender os fenómenos magnéticos da Terra, é fundamental que os observatórios que controlam o campo magnético estejam distribuídos pela superfície”, explicou à Deutsche Welle (DW), o diretor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA), Cristiano Mendel.
As informações transmitidas pelo Observatório Magnético de Tatuoca são fundamentais para a ciência básica, para a compreensão das profundezas do planeta e para o desenvolvimento de aplicações práticas, como a navegação por satélite. Além disso, o observatório está numa posição estratégica para compreender dois fenómenos: o equador magnético e a corrente de electrojacto equatorial.
“Em Tatuoca, são feitas medições muito importantes para entender a estrutura, os processos, as variações do campo terrestre e a interação entre os campos magnéticos da Terra e do Sol. Tudo isso é importante para o funcionamento de satélites, linhas de transmissão e vários outros sistemas tecnológicos fundamentais para a nossa sociedade”, explicou à DW André Wiermann, tecnologista sénior do Departamento de Geofísica do Observatório Nacional (ON), órgão responsável pelo observatório de Tatuoca.
Local com muita história
Antes de se tornar um centro de pesquisas, a pequena ilha foi palco de importantes acontecimentos na região.
História política
Um deles ocorreu durante a Cabanagem, uma revolta contra o governo imperial durante o período regencial.
Em agosto de 1835, o marechal Manuel Jorge teve que evacuar Belém devido ao avanço dos revoltosos e instalou o seu quartel em Tatuoca.
História social
A ilha também funcionou como espaço de defesa sanitária em duas ocasiões.
Em 1855, durante uma epidemia de cólera, os navios foram colocados em quarentena antes de chegarem a Belém.
Em 1903, durante uma epidemia de peste bubónica, tornou-se uma estação sanitária, com desinfetantes para os navios.
História científica
Já a história científica de Tatuoca começou em 1917.
Na época, começaram a ser feitas medições do campo magnético na margem equatorial brasileira, região que seria palco de um experimento durante um eclipse para comprovar a Teoria da Relatividade de Albert Einstein.
Segundo o professor da UFPA Cristiano Mendel, a região da costa do Pará e à volta da ilha chegou a ser cogitada para sediar as observações do eclipse, mas foi descartada devido à grande presença de nuvens – as medições acabaram por ser realizadas em Sobral, no Ceará, em 1919.
Depois, em 1933, a ilha recebeu uma estação magnética provisória. Até que, em 1957, o Observatório Magnético de Tatuoca foi criado pelo Observatório Nacional, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
“É a mais antiga estação científica em funcionamento ininterrupto na Amazónia”, enaltece Mendel.
Àquela data, o Observatório Nacional já havia criado o Observatório Magnético de Vassouras, a 120 quilómetros do Rio de Janeiro, que funciona ininterruptamente desde 1915. Hoje, além dessas duas estruturas, o Brasil também conta com uma rede de 175 estações repetidoras, onde são feitas medições a cada cinco anos.
Ilha da ciência na Amazónia
Tatuoca ocupa uma posição estratégica para o monitoração do equador magnético, a região onde o campo magnético da Terra é paralelo à superfície. Nessa área, uma bússola não tem inclinação vertical, mas permanece alinhada paralelamente ao solo.
“Como o campo magnético não é perfeitamente homogéneo e varia ao longo do tempo, o equador magnético não é uma linha regular à volta do planeta. Deforma-se e desloca-se ao longo do tempo”, explicou André Wiermann.
Estas variações têm sido monitorizadas pelo observatório de Tatuoca.
Em 1957, o equador magnético passou ao sul, perto de Mossoró (RN). Em 2012, passou por Tatuoca. Em abril deste ano, passou por Macapá (AP), onde está localizada outra estação de medição.
Nos últimos anos, a UFPA e o Observatório Nacional estreitaram relações, inclusive com um acordo de cooperação científica. “O objetivo é que Tatuoca seja uma Ilha da Ciência na Amazónia, com diferentes ciências”, disse Mendel.
A ideia é que a infraestrutura possa ser utilizada para a realização de pesquisas em diversas áreas, como monitoração ambiental, qualidade da água, salinidade, índices químicos e físicos e até monitoração por satélite.
Nesse contexto de colaboração, o Observatório Magnético de Tatuoca possui, em diferentes fases, cooperação internacional com agências e órgãos de países como França, Alemanha, Estados Unidos e Índia.
Na visão de Medel, há uma busca por conhecer a Amazónia, um dos biomas mais importantes do mundo, já que sua manutenção é fundamental para preservar a biodiversidade e evitar o agravamento das mudanças climáticas.
ZAP // Deutsche Welle