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Um insólito “Entulho de Berlim” está a cortar uma estrada “perdida na Beira” de Tony Carreira

João Barreto / Facebook

Muro de entulho a cortar a estrada que liga as aldeias de Janeiro de Cima e Ademoço, nas Beiras

Um insólito muro de entulho está, há quatro anos, a cortar a estrada que liga as aldeias de Janeiro de Cima e Ademoço, mesmo à ‘Beira’ do lugar que viu nascer Tony Carreira.

Tony Carreira dizia lembrar-se de uma aldeia perdida na Beira, a terra que o viu nascer. Dessa pequena aldeia, Armadouro, no concelho da Pampilhosa da Serra, o menino era ele.

Se, agora, o cantor quiser voltar àquele cantinho para recordar os sonhos de menino, vai ter de ter muito cuidado por onde vai…

Mesmo ali ao lado de Armadouro, há uma espécie de “muro de Berlim” que separa as aldeias vizinhas de Janeiro de Baixo (concelho da Pampilhosa da Serra, distrito de Coimbra) e Ademoço (concelho de Oleiros, distrito de Castelo Branco).

Mas este não é um muro qualquer. É um muro de entulho, como nunca antes visto, mandado “construir” pelo próprio presidente da Câmara da Pampilhosa de Serra.

Por questões de segurança, depois de terem caído pedras na estrada, o autarca Jorge Custódio (PSD), mandou cortar aquela estrada municipal.

A estrada foi construída em 1983 e, no caso dos que se deslocavam entre Janeiro de Baixo e Ademoço, permitia poupar 16 quilómetros e 20 minutos.

No entanto, a utilidade desta estrada não se restringia apenas às duas aldeias vizinhas. Também poupava tempo e penus em deslocações entre várias localidades dos concelhos vizinhos de Oleiros e Pampilhosa da Serra.

Em dezembro, numa entrevista ao Diário de Coimbra, João Barreto, natural de Janeiro de Baixo denunciou que a situação já tem mais de quatro anos e ainda não foi resolvida.

João Barreto tem sido um dos aldeões mais ativos na resolução deste problema e foi ele que teve a ideia de citar Tony Carreira, para dizer que esta situação insólita está a acentuar a desertificação e o envelhecimento destas populações cada vez mais “perdidas na Beira”.

“Com o encerramento deste troço, as centenas de pessoas que ainda vivem no interior têm que fazer desvios de quilómetros, quan­do podiam fazer em poucos quilómetros”, lamentou João Barreto.

De facto, passa o que podia ser feito em 3,7 kms passa a ser feito em 19,6, com passagem em, pelo menos, quatro localidades.

A juntar a isso, aquela zona da região não é servida por nenhuma autoestrada (e nem sequer por ICs ou IPs).

O Diário de Coimbra questionou o presidente Jorge Custódio sobre esta situação, que, segundo o autarca, não se arrasta há quatro anos, mas sim “há dois e tal”.

Jorge Custódio explicou ao jornal regional que a solução não é assim tão simples e que a autarquia se tem desdobrado em iniciativas para resolver um problema que é dos dois concelhos: Pampilhosa da Serra e Oleiros. No entanto, refere, este isto exige uma intervenção ao nível governamental.

No entanto, a queda do Governo anterior terá sido fatal, para a não-resolução do problema.

“O prometido apoio parece que foi para a gaveta…”, disse João Barreto

“O que para alguns parece um problema fácil de resolver, por aqui é um autêntico tormento. Todos sabemos que se este problema fosse numa cidade, Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, há muito tempo que estaria resolvido”, acrescentou.

“Entulho de Berlim” é ilegal

Mais recentemente, a TVI foi às Beiras reportar o descontentamento dos fregueses de Janeiro de Cima, de Baixo e arredores.

“Há várias maneiras de se tapar uma estrada. Agora chegar aqui e despejar entulho, acho que isto é caricato. Eu continuo a dizer que já passei muita terra, já vi muita coisa, mas isto nunca tinha visto“, disse João Barreto, desta vez, à televisão.

Na mesma reportagem da TVI, a advogada Rita Garcia Pereira esclareceu que é ilegal a Câmara usar entulho para interditar uma estrada.

A especialista acrescentou que “a Câmara tem sinalização própria para interditar a estrada, como baias e impedimentos de passagem, mas não entulho“.

E foi mesmo isso que aconteceu, inicialmente. À TVI, Jorge Custódio explicou que, quando encerrou a estrada, fê-lo apenas com sinalização. No entanto, as pessoas, impacientes à espera das obras, passavam na mesma.

Optámos por uma solução mais drástica, que é colocar ali uma série de inertes de entulho, que é precisamente para dificultar a passagem dessas pessoas”, justificou o presidente da Câmara.

Jorge Custódio justificou-se agora com uma obra muito cara: “Estamos a falar de uma obra que custa cerca de um milhão e 200 mil euros, o que é significativo para câmaras com orçamento pequeno”.

A TVI fez uma pesquisa no portal da contratação pública que mostrou que, nos últimos meses, a autarquia gastou mais de 260 mil euros entre fogo de artifício, espetáculos musicais,e uma pista de gelo.

“Enquanto isso, a estrada continuou por arranjar

População é “castigada” há quatro anos

A ideia do “entulho de Berlim” foi de Carlos Patrocínio, morador de Janeiro de Baixo, que se queixa dos gastos a mais que já teve em gasolina por causa desta “obra”.

É precisamente das desvantagens económicas que esta situação provoca que o presidente da freguesia vizinha Janeiro de Cima se queixa.

“Nós temos o nosso comércio, temos as nossas atividades profissionais de eletricistas, de construtores civis, de carpinteiros, de serralheiros, que muitas das vezes instalaram-se aqui e que, obviamente, querendo acorrer a algum negócio que tenham fora daqui, sentem-se mais perdidos e mais isolados porque obviamente têm que ir dar uma volta maior”, aponta Mário Dias.

O município tem a obrigação de reparar a estrada (…) independentemente das vicissitudes e do dinheiro que custe manter essa mesma via”, esclareceu a advogada Rita Garcia Pereira.

Mas Jorge Custódio não se compromete com uma data e volta a rematar responsabilidades para o Governo : “Se fosse por minha vontade ou intenção, era ontem. (…) Se não tivermos ajuda da tutela, muito dificilmente conseguimos fazer esta obra e, portanto, estar a dar um dia ou uma agenda é claramente errar e eu não quero fazer isso”.

Miguel Esteves, ZAP //

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