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Um cristão recusou-se a trabalhar ao domingo. O caso está no Supremo dos EUA

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Phil Roeder / Flickr

Sala do Supremo Tribunal dos Estados Unidos

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos começou esta terça feira a analisar uma ação interposta por um funcionário cristão que se recusa a trabalhar aos domingos —  um caso que pode reverter um precedente de décadas na justiça norte-americana.

Particularmente sensível a questões de liberdade religiosa desde a incorporação de juízes nomeados pelo ex-presidente Donald Trump, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos está a analisar o recurso de uma ação interposta por um trabalhador cristão que se recusa a trabalhar aos domingos.

Segundo a agência AFP, depois de ouvir as partes envolvidas, o órgão supremo de justiça do país deverá anunciar a sua decisão até ao fim do mês de junho.

Gerald Groff, cristão evangélico, começou a trabalhar em 2012 no Serviço Postal dos Estados Unidos — que, em 2017, celebrou um contrato com a Amazon para processamento de encomendas da gigante do comércio eletrónico, incluindo aos aos domingos.

Groff pediu para não trabalhar no sétimo dia da semana, porque tal contrariava as suas convicções religiosas. O seu diretor transferiu inicialmente o funcionário para uma dependência mais pequena — que viria depois a ter também que processar encomendas ao domingo.

O diretor tentou então gerir os turnos dos restantes funcionários, sem sucesso, para acomodar o impedimento de Groff. Após algumas semanas, diz um advogado do Serviço Postal citado pela CBS, um funcionário despediu-se, um segundo teve que ser transferido e um terceiro apresentou uma queixa por ter que trabalhar turnos mais longos devido a Groff.

Após sucessivas faltas ao trabalho de domingo, Groff  foi punido disciplinarmente — de forma ilegal, sustentam os seus advogados.

Em 2019, Gerald Groff despediu-se e intentou uma ação contra o Serviço Postal por “discriminação religiosa“. Perdeu a ação na primeira instância, perdeu também no Tribunal de Recurso competente, e recorreu agora ao Supremo.

Ao aceitar analisar o caso, o Supremo Tribunal norte-americano, que rejeita cerca de 80% dos recursos que recebe, está a dar uma indicação clara de que alguns dos juízes poderão não estar convencidos com as sentenças anteriores.

Na atual composição do Supremo, há seis juízes conservadores e três democratas, um enviesamento do tradicional equilíbrio do órgão influenciado pelas nomeações de Donald Trump — que chegou a indicar um magistrado no período de transição para Biden, circunstância em que Obama se coibiu de o fazer.

Segundo a agência Reuters, a atual composição do Supremo tem histórico recente de privilegiar a expansão de direitos religiosos, alinhando frequentemente com as posições de queixosos cristãos.

Uma lei federal de 1964, alterada em 1972, proíbe a discriminação religiosa no local de trabalho e determina que os empregadores procurem adaptar-se às crenças dos seus funcionários — desde que isso não represente uma “carga indevida” na operação da empresa.

Em 1977, num julgamento relativo a um funcionário de uma companhia aérea que se recusava a trabalhar ao sábado, o Supremo decidiu que as disposições da lei não deveriam “impor mais do que um custo mínimo” aos empregadores. A sentença foi duramente criticada pelos defensores das liberdades religiosas.

“Tal como está”, diz Joshua McDaniel, professor de direito em Harvard citado pela AFP, a lei “permite que na maioria dos casos as empresas evitem  ter que se adaptar às práticas religiosas” dos funcionários.

Mas “beneficiar funcionários religiosos que querem ficar em casa ao sábado ou qualquer outro dia da sua preferência é discriminar as pessoas não religiosas“, sustenta Michael Harper, perito em Direito Laboral da Boston University School of Law ouvido pela Reuters.

“Sempre que nos afastamos de padrões de neutralidade, aumentamos o potencial de gerar fricções no local de trabalho”, acrescenta Harper.

Sonia Sotomayor e Elena Kagan, as duas juízas nomeadas pelo ex-presidente Barack Obama, e Ketanji Brown Jackson, o magistrado indicado pelo atual presidente Joe Biden, manifestam reticências em reverter um precedente de 46 anos — um lei que, dizem, os legisladores tiveram décadas para alterar.

“O Congresso teve oportunidade de alterar a lei”, diz Kagan, que defende o respeito pelos precedentes jurídicos. “A bola está do lado do congresso“.

Mas, na realidade, a bola está do lado dos seis juízes nomeados pelo antigo presidente Donald Trump.

Armando Batista, ZAP //

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