Três estudantes usaram com sucesso inteligência artificial para decifrar parte dos Papiros de Herculano, que foram preservados sob as cinzas da erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C.
Há quase dois mil anos, centenas de pergaminhos que estavam guardados na biblioteca de uma luxuosa villa romana em Herculano ficaram carbonizados quando a cidade foi devastada pela intensa explosão de calor, cinza e pedra-pomes que destruiu a vizinha Pompeia durante a erupção do Vesúvio.
Os danos provocados nos mais de 800 estaladiços pergaminhos, conhecidos como Papiros de Herculano, impediram até agora que a maior parte do seu conteúdo fosse lido.
Recentemente, um trio de estudantes que participava no Vesuvius Challenge — uma competição lançada para incentivar o uso da tecnologia na leitura destes textos antigos — conseguiu usar IA para identificar mais de 2.000 letras gregas no pergaminho, ganhando um prémio de cerca de 650 mil euros.
E aparentemente, o documento decifrado pelos três estudantes é um tratado filosófico que discute assuntos mundanos como música, comida e os prazeres da vida.
Os papiros de Herculano, descobertos no século XVIII, ofereceram um vislumbre sem paralelo do mundo clássico. No entanto, as tentativas de desenrolar fisicamente os quebradiços rolos levaram invariavelmente à sua deterioração.
O Desafio Vesúvio, lançado em março de 2023 por Brent Seales, Nat Friedman e Daniel Gross, pedia aos participantes que decifrassem passagens específicas do texto usando IA — sem manusear fisicamente os pergaminhos.
Os promotores do desafio realizaram previamente varrimentos de tomografia computorizada de alta resolução dos pergaminhos, de modo a que os concorrentes trabalhassem com réplicas digitais em vez de arriscar danos adicionais aos papiros originais.
A equipa vencedora, Youssef Nader, Julian Schilliger e Luke Farritor, usou algoritmos de machine learning para superar o objetivo do desafio: decifrar 85% de quatro passagens do documento.
“Esta foi uma jornada extremamente gratificante“, conta Youssef Nader ao The Guardian. “Foi uma loucura, movida a adrenalina. Estivemos a trabalhar umas 20 horas por dia, não sabíamos quando acabava um dia e começava o seguinte”.
Esta abordagem inovadora não só salvaguardou os inestimáveis documentos, mas demonstrou também o papel que a IA pode vir a ter em futuras tentativas de desbloquear os segredos do passado.
O sucesso conseguido pela equipa de estudantes na sua tentativa de decifrar o pergaminho foi saudado como um momento histórico para os estudos clássicos e, diz a Smithsonian Magazine, pode vir a revolucionar o nosso entendimento do discurso filosófico antigo.
“Os Papiros de Herculano são a única biblioteca intacta do mundo clássico que conhecemos, e um acervo de conhecimento ancestral sem paralelo”, considera Jo Marchant, ex-editora da New Scientist e da Nature.
Há agora uma forma de decifrar estes inestimáveis pergaminhos — e dar esse conhecimento ao mundo.