Nasceram no mesmo dia, no mesmo hospital e foram levados pelos pais um do outro. Levariam vidas totalmente diferentes antes de saberem o que aconteceu, 70 anos mais tarde. O presidente da Câmara pediu desculpa esta semana.
Um simples kit de teste de ADN caseiro, recebido como presente de Natal, mudou para sempre a vida de dois canadianos.
Richard Beauvais, da cidade costeira de Sechelt, em British Columbia, viveu toda a vida a acreditar que era indígena, mas o teste genético que fez mostrou que tinha ascendência ucraniana, judaica ashkenazi e polaca.
Na mesma época, e a quase 2,4 mil quilómetros de distância, a irmã de Eddy Ambrose, de Winnipeg, Manitoba, criada numa família ucraniana, também fez um teste de ADN — e descobriu que não era parente de Eddy. Na verdade, Beauvais era o seu irmão biológico — uma revelação que mudaria a vida de ambos.
Beauvais e Ambrose nasceram no mesmo dia, no mesmo hospital, na pequena cidade de Arborg, em Manitoba, em 1955, mas foram trocados na maternidade — e levados para casa pelos pais biológicos um do outro.
Na quinta-feira, quase 70 anos depois, os dois receberam pessoalmente um pedido formal de desculpas do presidente da Câmara de Manitoba, Wab Kinew, pelo trauma que sofreram devido ao erro.
“Tomo a palavra hoje para apresentar um pedido de desculpas que já devia ter sido feito há muito tempo, pelas ações que prejudicaram duas crianças, dois pares de pais e duas famílias ao longo de muitas gerações”, afirmou Kinew na Assembleia Legislativa de Manitoba.
Na infância, os dois tiveram vidas totalmente diferentes, informou o advogado de ambos, Bill Gange.
Beauvais, de 68 anos, foi criado como um membro da nação Métis — um povo indígena do Canadá com ascendência indígena e europeia. O seu pai faleceu quando tinha três anos, deixando-o responsável pelos irmãos mais novos enquanto a sua mãe chorava a perda.
Frequentou uma escola para crianças indígenas e, mais tarde, foi retirado à força da sua família no chamado Sixties Scoop — uma política assimilacionista no Canadá, em que crianças indígenas eram colocadas em lares adotivos, fora das suas comunidades.
Entretanto, Ambrose cresceu numa quinta na zona rural de Manitoba, “com uma família ancestral ucraniana muito amorosa e solidária”, que lhe cantava canções folclóricas ucranianas antes de dormir, conta Gagne. Mas também acabou por ser adotado posteriormente, após se tornar órfão aos 12 anos.
Ao longo da sua vida, Ambrose nunca teve conhecimento da sua ascendência indígena.
“Nova família” já se tinha cruzado
Durante muitos anos, Beauvais dirigiu o único barco de pesca totalmente indígena na costa de British Columbia.
“Agora percebe que todos são indígenas, menos ele”, disse o advogado. “Houve uma enorme mudança nas suas histórias de vida.”
No seu pedido de desculpas, Kinew destacou que, surpreendentemente, as vidas dos dois homens cruzaram-se ligeiramente ao longo dos anos.
Quando era criança, Ambrose convidou uma rapariga na cidade vizinha para fazer parte da sua equipa de basebol no recreio, contou Kinew, “sem saber que ela era na verdade a sua irmã biológica”. E, na adolescência, o amor de Beauvais pela pesca levou-o à mesma costa que a sua irmã biológica, que estava a lançar a sua cana de pescar ao lado dele — os dois não sabiam que eram parentes.
Apesar das perdas, Gange disse que ambos estão muito orgulhosos de quem se tornaram e das famílias que os criaram — e que também ganharam uma nova família com a descoberta.
Ambrose entrou em contacto com os seus parentes biológicos e tornou-se membro da Federação Métis de Manitoba. Beauvais também planeia conectar-se com a sua família biológica e, desde então, as suas duas filhas adultas tatuaram “Ambrose” nos braços, para homenegear o apelido que o pai teria tido.
Os dois homens também procuraram um advogado, Gange, para exigir um pedido de desculpas e uma compensação financeira da Província de Manitoba.
Gange disse que inicialmente a província não comentou o caso e alegou que o hospital onde ocorreu a troca era gerido pela autarquia e, portanto, não era da sua responsabilidade. Mas depois da eleição de Kinew — o primeiro líder indígena de Manitoba desde 1887 —, o tom mudou.
O pedido de desculpas é uma admissão significativa “de que foi cometido um erro que afetou todos”, declarou Gange, referindo-se tanto a Beauvais quanto a Ambrose, assim como às suas famílias.
“[É] o presidente da Câmara, em nome da província, dizendo em voz alta e na cara deles: ‘Isto não deveria ter acontecido‘, e acho que é um reconhecimento importante.”
Não houve, no entanto, nenhuma palavra em relação a uma possível compensação financeira, embora Gange tenha dito que vai continuar a lutar por isso. O advogado já conseguiu com sucesso compensação para outros canadianos trocados na maternidade no passado, mas nesses casos, os indivíduos nasceram em hospitais administrados pelo governo.
Este é já o terceiro caso conhecido de troca de bebés em Manitoba. Dois outros casos foram registados na província de Newfoundland. Mas Gange disse que é difícil saber quão raras — ou comuns — são estas histórias. Beauvais e Ambrose descobriram-no “por acaso”, graças ao teste de ADN caseiro.
“É apenas um palpite, mas acredito que à medida que [os kits de teste de ADN caseiros] se tornarem mais predominantes, vamos encontrar outros casos como este”, acredita.
// BBC