Porque é que o tabaco é tão viciante? A resposta está no nosso cérebro

Estudos anteriores já haviam revelado que o tabaco pode ser tão viciante como a heroína e a cocaína. Mas o que faz as pessoas ansiarem por um cigarro? E porque é que para algumas é tão difícil deixar de fumar, apesar de estarem conscientes dos perigos?

De acordo com a Administração de Medicamentos e Alimentos norte-americana (FDA, na sigla em inglês), a resposta, afinal, está relacionada com o facto de o tabaco mudar a forma como os cérebros funcionam.

“O vício é definido, principalmente, como uma perda de controlo sobre o uso de uma substância e o consumo continuado apesar das consequências”, disse ao Live Science Bernard Le Foll, presidente do departamento de Psiquiatria da Adição no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto, no Canadá.

“Uma vez desenvolvido um vício numa substância, as pessoas terão desejos e/ou retrações quando não a utilizarem durante um determinado período de tempo. O tabaco é viciante porque contém nicotina, uma substância psicoativa com elevado potencial viciante”, referiu Le Foll.

Segundo o Instituto Nacional do Cancro (NCI, sigla em inglês), uma substância psicoativa é aquela que tem impacto na forma como o cérebro funciona, causando “mudanças de humor, consciência, pensamentos, sentimentos, ou comportamento”. Outros exemplos de substâncias psicoativas são o LSD, o álcool e a cafeína.

A nicotina é especialmente viciante quando fumada ou porque “o início dos efeitos estimulantes ocorre muito rapidamente através desta via de administração”, indicou ao Live Science David Ledgerwood, psicólogo da Divisão de Investigação do Abuso de Substâncias da Wayne State University em Detroit.

Embora o “golpe” inicial do prazer de fumar um cigarro seja sentido quase imediatamente, também desaparece rapidamente, o que, como referiu Ledgerwood, leva os fumadores a consumir produtos de tabaco de forma frequente, numa tentativa de alcançar “a mesma experiência estimulante”.

Quando o tabaco é consumido, os níveis de nicotina disparam na corrente sanguínea e entram no cérebro. Aí, aquela ativa recetores que libertam dopamina, a hormona da “felicidade”, causando uma sensação de bem-estar, explicou a Clínica Mayo. Como resultado, os cérebros dos fumadores passam rapidamente a considerar a nicotina como uma substância boa e vão desejá-la nos intervalos entre os cigarros.

O consumo crónico de nicotina aumenta o número desses recetores no cérebro, o que explica porque é que os fumadores viciados têm “milhares de milhões destes recetores a mais do que os não fumadores”, relatou a Clínica Mayo, num artigo publicado em 2012.

No caso dos fumadores regulares, o seu cérebro se habitua tanto à nicotina que, eventualmente, pode precisar desta substância “para funcionar bem”, indicou Ledgerwood. Durante os períodos em que o indivíduo viciado não fuma, experimenta sintomas de abstinência – incapacidade de concentração, insónia, depressão e falta de apetite – até que o cérebro se possa ajustar à ausência de nicotina.

O facto de os cigarros serem legais, de estarem “disponíveis em qualquer bomba de combustível ou loja e de poderem ser fumados em muitos locais diferentes”, torna a tentativa de deixar de fumar “incrivelmente difícil”, acrescentou.

A exposição à nicotina pode perturbar desenvolvimento cerebral, informou a FDA, sendo mais fácil para os jovens ficarem viciados. Imagens analisados do cérebro de fumadores mostraram que enquanto os sistemas de recompensa no cérebro amadurecem cedo, o centro de controlo no córtex pré-frontal amadurece lentamente.

“Em comparação com os adultos, os jovens são mais motivados pelas recompensas, menos avessos aos riscos e mais facilmente influenciados pelos pares”, segundo um relatório publicado na Cold Spring Harbor Perspectives in Medicine.

Algumas pessoas são propensas ao vício?

Mas serão algumas pessoas mais propensas à dependência do que outras? “Não acredito que as pessoas sejam imunes ao vício”, disse Ledgerwood. “Algumas podem ser mais propensas a desenvolver dependências do que outras”, indicou, acrescentando que o facto de “estar exposto a substâncias viciantes numa idade mais precoce coloca o indivíduo em maior risco de desenvolver um vício”.

O Teste Fagerström para a Dependência de Nicotina, criado em 1978 pelo psicólogo sueco Karl-Olov Fagerström, é utilizado para determinar o nível de dependência de nicotina relacionada ao consumo de cigarros. Sofreu várias alterações desde a sua introdução, mas continua até hoje a ser uma das principais formas de avaliação.

O teste questiona sobre o horário em que o indivíduo fuma o primeiro cigarro, quantos fuma por dia e se fumava mesmo que estivesse tão doente a ponto de ficar confinado à cama. Quando alguém tem uma pontuação particularmente elevada, destacou Ledgerwood, é provável que isso não se deva somente ao facto de o corpo desejar impulsos frequentes de nicotina.

“Para muitas pessoas que fumam, existem fatores poderosos que contribuem para o consumo de tabaco. Estes indivíduos crescem frequentemente em casas onde os pais fumam”, acrescentou o especialista.

E continuou: além da disponibilidade do cigarro, “há ainda muitas representações do tabagismo na cultura popular – filmes, programas de televisão – que podem contribuir para a impressão de que fumar é um comportamento normal ou glamoroso”.

Além disso, estudos revelaram que os fatores genéticos desempenham um papel na dependência da nicotina, o que significa que o vício pode ser hereditário, mostrou uma análise publicada em 2010 na Current Cardiovascular Risk Reports.

Também a Mayo Clinic afirma que a genética “pode influenciar a forma como os recetores na superfície das células nervosas do cérebro reagem a doses elevadas de nicotina administrada pelos cigarros”. Assim, devido à herança genética, quando as pessoas começam a fumar, algumas são mais propensas do que outras a continuar.

Numa investigação divulgada em 2008 pela American Psychological Association foi constatado que “pelo menos metade da suscetibilidade de uma pessoa à toxicodependência pode estar ligada a fatores genéticos”.

Apesar dos muitos riscos associados ao tabagismo, e embora se considere que contribui para a morte de oito milhões de pessoas em todo o mundo todos os anos – incluindo 1,2 milhões que morrem devido à exposição ao consumo passivo – o tabaco permanece amplamente disponível e facilmente acessível.

Contudo, embora o vício se manifeste rapidamente, o mesmo acontece com os benefícios quando se deixa de fumar. Segundo a Mayo Clinic, 20 minutos após fumar um cigarro o ritmo cardíaco diminui; em 12 horas, os níveis de monóxido de carbono no sangue voltam ao normal; em três meses, a função pulmonar e a circulação melhoram; e, após um ano, o risco de um ataque cardíaco cai para metade.

ZAP //

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