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“Sweatshops digitais”: o segredo sujo da Inteligência Artificial

Wikimedia Commons

Um dos muito populares cibercafés nas Filipinas

Um exército de seres humanos em condições laborais precárias planta, clique por clique, os frutos mais tarde colhidos pelas gigantes de Sillicon Valley. Antes tudo era um mar de rosas; hoje recebem menos de 1 cêntimo por tarefa.

Por trás das cortinas da recente e crescente explosão da Inteligência Artificial (IA), esconde-se uma suja realidade muito bem guardada.

As gigantes empresas de tecnologia de Silicon Valley colhem os frutos da popular tecnologia de ponta, plantados por mão-de-obra barata e explorada, em condições salarias e de trabalho precárias.

A reportagem é do The Washington Post e espelha a dura realidade de milhões de pessoas nas Filipinas. Em troca de salários muito baixos e em atraso — acompanhados de condições que ganharam o rótulo de “sweatshops digitais” —, vários filipinos estarão encarregados de rotular imagens, desenvolver algoritmos e de editar texto para assegurar o bom funcionamento e entrega de modelos de linguagem como o ChatGPT.

Ao analisar grandes conjuntos de dados, os modelos que sustentam as ferramentas IA ficam mais inteligentes, exatos e legíveis. Clique por clique, é um exército de seres humanos em condições laborais precárias que se encarrega de transformar os dados brutos das empresas em matéria-prima de inteligência artificial.

É em cibercafés e em casas adaptadas a escritórios que mais de dois milhões de filipinos são sujeitos a estas condições de trabalho.

Colaboradora do Departamento de Defesa do Governo norte-americano e de grandes empresas de tecnologia, a startup Scale AI mantém a maioria das operações na Ásia, África e América Latina. Nas Filipinas, já tem trabalhadores há seis anos, desde 2017. Através da obtenção de licenças de exploração, negociadas com negócios locais, a empresa começou a recrutar freelancers e cresceu exponencialmente desde a pandemia.

No início, era tudo um mar de rosas: os trabalhadores podiam ganhar até 200 dólares semanais em tarefas, mas o cenário tornou-se negro rapidamente.

A Scale AI emprega cerca de 10 mil pessoas no país asiático, mas segundo informação obtida pelo jornal da capital norte-americana — através de entrevistas diretas, recibos de pagamentos e mensagens internas com a empresa — não lhes paga a horas. Alguns freelancers que colaboram com a empresa até confessam: têm pagamentos atrasados e, por vezes, a remuneração não chega às suas mãos.

Há casos semelhantes noutros países

A exploração laboral não tem lugar exclusivamente nas Filipinas.

Na Venezuela e na Índia, a investigação do Washington Post também detetou atividade suspeita que afetava freelancers da Remotasks, detida pela Scale AI: quando a empresa de trabalho remoto se mudou para estes dois países, as taxas de pagamento diminuíram drasticamente — foi dos já mal vistos 10 dólares por tarefa para menos de 1 cêntimo.

As queixas são cada vez mais significativas. Sem explicação, os pagamentos agendados por PayPal não lhes chegam à conta após avaliação da qualidade do seu trabalho por parte de equipas sediadas nos EUA — apesar de o trabalho ser aprovado. Caso sejam rejeitados, os projetos têm de ser refeitos, por vezes com uma compensação de 2% do pagamento original; muitas vezes sem qualquer compensação pelo tempo perdido.

Os “escritórios” filipinos são, para o eticista de IA Dominic Ligot, autênticas “sweatshops digitais” — sem voz ou poder, estes trabalhadores são alegadamente simplesmente substituídos caso não gostem das condições.

Afinal, a máquina revolucionária que diz dispensar de mão humana não só depende dela, como a explora.

Tomás Guimarães, ZAP //

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