Supremo dos EUA sinaliza apoio à lei do aborto do Mississippi e o direito federal pode ser revertido

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Caso o precedente da decisão Roe v. Wade seja revertido, espera-se que 26 dos 50 estados norte-americanos avancem com leis que ilegalizam a interrupção voluntária da gravidez.

Depois de não ter bloqueado a lei do aborto do Texas, a maioria de juízes conservadores do Supremo Tribunal dos Estados Unidos sinalizou o seu apoio a uma lei que também restringe a interrupção voluntária da gravidez (IVG) no Mississippi.

Este é o caso mais importante sobre direitos reprodutivos em décadas e a decisão vai ditar o futuro do aborto nos EUA, podendo ser revertido o precedente criado pela decisão Roe v. Wade, que em 1974 garantiu a nível federal o direito à IVG até ao ponto em que o feto é viável – entre as 22 e 24 semanas de gestação.

O caso é entre Thomas Dobbs, presidente do departamento de saúde do Mississippi e a Jackson Women’s Health Organization, que é a última clínica que faz abortos no estado. Em causa está o direito do Mississippi de banir o aborto às 15 semanas de gestação, cerca de nove semanas antes da lei actual. Os activistas temem que se o Supremo segurar a lei, os estados podem começar a banir o aborto totalmente.

O Mississippi passou esta lei em 2018, mas um tribunal federal rapidamente bloqueou a sua aplicação depois da Jackson Women’s Health Organization a ter desafiado constitucionalmente.

A decisão final do Supremo só vai ser conhecida em Junho de 2022, mas a  disponibilidade do órgão para ouvir os argumentos do caso já preocupou os activistas.

A Constituição não é pró-vida ou pró-escolha e deixa o problema para ser resolvido pelas pessoas no processo democrático. Por que deve ser este tribunal a decidir em vez do Congresso, as legislaturas estaduais, os Supremos estaduais e as pessoas?”, questionou o juiz conservador Brett Kavanaugh.

Kavanaugh também enumerou casos em que o Supremo não seguiu o precedente criado anteriormente, como Brown v. Board os Education, que declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas e Obergefell v. Hodges, que legalizou o casamento homossexual. O juiz acredita que o regresso a uma “posição de neutralidade” pode ser a resposta certa.

A também conservadora Amy Coney Barrett ponderou se as mulheres não podem já “terminar os seus direitos parentais” no fim da gravidez ao dar o bebé para adopção em vez de abortar. “Há, sem dúvida, uma violação na autonomia corporal que temos noutros contextos, como as vacinas. Mas não me parece que avançar com a gravidez e a parentalidade sejam parte do mesmo fardo”, argumentou.

Já John Roberts e Samuel Alito falaram sobre o critério da viabilidade. “Por que é que as 15 semanas seriam um limite inapropriado? A viabilidade não parece ter qualquer coisa a ver com a escolha. Mas se for mesmo um problema da escolha, por que é que as 15 semanas não chegariam?”, perguntou Roberts a Julie Rikelman, advogada que argumentou contra a lei do Mississippi.

Roberts também comparou a actual lei americana às da China e na Coreia do Norte, um ponto que Rikelman refutou.

Do lado dos juízes liberais, houve argumentos de que reverter a decisão Roe v. Wade pode ter um impacto negativo na imagem do tribunal, que passa a ser visto como um órgão político em vez de judicial, especialmente devido ao timing destes desafios legais, que só chegaram ao Supremo depois de Trump ter alargado ainda mais a maioria conservadora para 6-3 em apenas um mandato.

A juíza Sonia Sotomayor refere que já 15 juízes reafirmaram o limite de viabilidade, enquanto que apenas quatro – sendo que dois destes estão actualmente no Supremo – se manifestaram contra.

“Vai esta instituição sobreviver à má ideia que isto cria na percepção pública de que a Constituição e a sua interpretação são apenas actos políticos?”, questionou.

A juíza Elena Kagan manifestou preocupações semelhantes às de Sotomayor, dizendo que o objectivo de seguir os precedentes é “evitar que as pessoas achem que este tribunal é uma instituição política que anda para trás e para a frente dependendo dos seus membros e de qual a parte do público que grita mais alto”.

Os juízes liberais também desafiaram o estado sobre se o seu argumento era religioso; se reverter a decisão Roe v. Wade pode levar a que outros direitos, como o casamento gay ou o acesso aos contraceptivos, venham a ser revertidos; e se a legitimidade de Tribunal pode ser posta em causa.

Em muitos estados, a decisão Roe v. Wade é a única que continua a garantir o acesso ao aborto. Caso seja revertida, espera-se que 26 dos 50 estados dos EUA ilegalizem a IVG. Já vários, incluindo o Mississippi, passaram “trigger-bans”, que tornam o aborto ilegal assim que a decisão do Supremo reverta o direito.

Cerca de 40 milhões de mulheres em idade reprodutiva – 58% de todas as mulheres que podem engravidar nos EUA – vivem em estados com lideranças hostis ao acesso ao aborto.

Tal como caso da lei do Texas, a Casa Branca criticou a legislação do Mississippi. A porta-voz Jen Psaki afirma que Biden acredita que a proibição “viola flagrantemente” o direito constitucional ao aborto e que vai trabalhar com o Congresso para consagrar a IVG na lei.

Adriana Peixoto, ZAP //

6 Comments

  1. Anda uma parte do mundo a querer e a felicitar-se pelo direito de parar o coração a um bebe, mas a preocupar-se em adiar a vida dos idosos…

    • “parar o coração de bebés”?!
      Hahahaaaa… esta nunca tinha ouvido – mas os padrecos das cavernas estão sempre a surpreender!…
      Claro que para os beatos, uma mulher violada por um desses fanaticos religiosos nem sequer pode pensar em abortar… mesmo estando a humanidade no séc. XXI…

      • O meu amigo sabe que % de abortos são oriundos de violações?

        Dê uma estimativa..

        E que % vêm da irresponsabilidade de sexo lúdico, que todos sabemos que pode gerar vida?

        E sim amigo, a lei que se discute diz que , o aborto não pode ser interrompido a partir do momento que existam batimentos cardíacos, logo o acto de aborto passa por terminar esses batimentos

        Mas como você aparentemente (pelas baboseiras que diz) só lê títulos na diagonal (ou aprofunda somente o que vai validar os seus preconceitos) vêm para aqui expressar a sua paranoia, fica difícil um dialogo minimamente construtivo

      • Sou inteiramente de acordo com a liberdade de fazer aborto se a gravidez foi um ato de violação

        Se bem que a criança que está a nascer não tem culpa disso – se você foi fruto de uma violação certamente estaria grato por não ter sido abortado e vir hoje para aqui escrever porcaria.

        E esse direito ao aborto protegido especialmente para casos de deficiências genéticas graves.

        Mas nunca a libertinagem que se vê, onde a grande maioria dos abortos se darem à falta de paciência de usar um contracetivo.

        Isso é o direito a cometer homicídio por diversão ou falta de responsabilidade.

      • Bem… como se vê, contra o discurso de pastor brasileiro da IURD não há racionalidade nem discurso construtivo possível!…

  2. Merica – mais um passo atrás, a caminho da Idade Média!…
    Loucos armados até aos dentes e com a mentalidade da Igreja no tempo da Inquisição tem tudo para correr bem… são os mesmos “santinhos” que invadiram o Capitólio!…

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