Os sul-africanos que ainda vivem sob “apartheid económico” 30 anos após fim da segregação

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ScotchBroom / Flickr

Cidade do Cabo, África do Sul

O quarto de Jameelah já foi um necrotério; o de Faldilah, um banheiro; e o de Bevil, o consultório médico que ele visitava para receber seu remédio contra o diabetes.

Eles ocuparam um hospital abandonado na Cidade do Cabo, na África do Sul. Foi um protesto contra o que eles consideram ser falha do governo, por não oferecer moradias à população a custos acessíveis.

O fim do apartheid no país trouxe liberdade e direitos políticos para todos. No entanto, durante sétima eleição democrática da África do Sul, a desigualdade persiste em dividir o país.

A votação na África do Sul ocorreu na quarta-feira e a expectativa é que o resultado seja divulgado até domingo. Antes da votação, as pesquisas de opinião sugeriam que o Congresso Nacional Africano (CNA), no poder, poderia obter menos de 50% dos votos pela primeira vez em 30 anos.

Em muitos aspetos, a política habitacional do Congresso Nacional Africano reforçou inadvertidamente a geografia do apartheid, em vez de a combater.

Ativistas pertencentes a um movimento chamado Reconquiste a Cidade ocuparam o Hospital Woodstock na calada da noite, há sete anos. O seu objetivo foi ocupar imóveis perto do centro da cidade, segundo um dos líderes do movimento, Bevil Lucas. O acesso a empregos e serviços é fundamental para corrigir os erros causados pela segregação.

“Uma nova forma de apartheid económico” substituiu as leis racistas que mantinham os negros e as pessoas de cor (como são chamados os cidadãos sul-africanos com herança racial mista) presos na pobreza em bairros distantes da Cidade do Cabo, declarou Lucas à BBC.

“Os pobres e vulneráveis em geral foram empurrados para a periferia da cidade”, conta. Agora, eles têm o direito de se mudar, mas não conseguem pagar os altos valores de renda exigidos pelos incorporadores de imóveis no centro da cidade.

Para Jameelah Davids, a localização era tudo. “Eu mudei-me para cá por causa do meu filho, que é autista”, conta. “Ele frequenta a escola que fica na esquina. Era muito perto para ele. Tudo está ali. E ele evoluiu.” Davids instalou a sua família no antigo escritório do necrotério do hospital.

Outra moradora, Faldilah Petersen, mostrou como transformou a casa de banho do hospital na sua casa. O cubículo da sanita passou a ser a cozinha e a área do lavatório, o quarto de dormir. “Fui despejada cerca de 10 vezes num ano”, conta. “Mas morar nesta ocupação deu-me a oportunidade de melhorar minha vida.”

“Tenho mais liberdade de fazer o que preciso e também fico muito mais perto da cidade. É como um retorno ao lar.”

As autoridades municipais concordam que o local pode ser reformado para fins residenciais, mas afirmam que os atuais moradores são ocupantes ilegais, que precisam de sair antes que comecem as obras.

“A área urbana mais segregada do planeta”

O CNA chegou ao poder há 30 anos, com a Carta da Liberdade que prometeu habitação para uma população que foi privada de lares seguros e confortáveis, devido ao apartheid. Desde então, o governo construiu mais de três milhões de casas, concedendo a sua propriedade gratuitamente ou arrendando abaixo dos preços de mercado.

Mas a lista de pessoas em busca de casas do governo ainda é longa. Davids espera há cerca de 30 anos, enquanto Petersen está na lista há ainda mais tempo. E a maioria das casas foi construída longe do centro da cidade, onde os terrenos são mais baratos. Com isso, o governo deixou de reverter o planeamento urbano do apartheid, que perpetuava as desigualdades.

Existem sinais de uma nova abordagem. O governo da província, liderado pelo partido Aliança Democrática (AD), está a construir um modelo de “habitação melhor” em terras do Estado, perto dos empregos e serviços da cidade.

Foi criado o projeto do Parque Conradie – por acaso, também no local de um antigo hospital. A primeira fase oferece um conjunto de opções subsidiadas e outras com valor de mercado, enquanto a segunda fase do projeto está em construção.

O Ministro da Infraestrutura Provincial, Tertuis Simmers, reconhece os atrasos que levaram 600 mil pessoas a aguardar a sua habitação e afirma que existem planos “ambiciosos” de construir 29 projetos similares de habitação social.

Mas o orçamento é pequeno. O ministro está à procura de parcerias com o setor privado e não há prazos de conclusão definidos.

Desilusão

As dificuldades de habitação costumam ser um tema importante durante as eleições, mas tem perdendo destaque entre as prioridades políticas. O manifesto da AD, que é o partido de oposição oficial a nível nacional, não menciona especificamente a habitação – e o mesmo ocorre com os outros partidos.

Nas ruas estreitas do bairro de Khayelitsha, na Cidade do Cabo, existe pouca esperança no futuro. Muitos moradores dos inúmeros barracos de ferro corrugado espalhados pelo bairro saem de casa antes do amanhecer para ir à cidade trabalhar, da mesma forma que faziam os seus pais e até os seus avós.

A distância é de cerca de 30 km e os micro-autocarros, táxis e comboios que usam são caros, não confiáveis e, muitas vezes, inseguros.

A desilusão com o partido do governo, o CNA, indica que o partido da liberdade pode perder, pela primeira vez, a maioria absoluta com que governa o país desde a eleição de Nelson Mandela, em 1994.

O terceiro maior partido da África do Sul, os Combatentes da Liberdade Económica (CLE), questiona o que chama de décadas de fracasso do CNA no fornecimento de um “plano de resgate” radical, para redistribuir a maior parte do dinheiro que ainda se encontra nas mãos de uma pequena minoria.

E um novo partido, chamado Rise Mzansi, também explora as divisões que continuam a existir na Cidade do Cabo.

“Acreditamos que os sul-africanos deveriam poder morar mais perto dos seus locais de trabalho”, afirmou recentemente o líder nacional do partido, Songezo Zibi, numa visita de campanha, onde acusa a AD e o CNA de não elaborarem o tipo de planeamento urbano necessário para a cidade, que se encontra em rápido crescimento.

O Rise Mzansi ainda não foi observado em ação, mas o partido chega sem a bagagem do mau uso do poder que marca o CNA e a corrupção generalizada que obscureceu as suas décadas no governo.

ZAP // BBC

1 Comment

  1. Resumindo viviam bem e não sabiam. Não querem trabalhar e estão a espera que lhes façam tudo e agora não podem culpar ao branco…. Com mais de 90% herdaram chegou ao fim de vida e o dinheiro desapareceu…..

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