Estas salamandras conseguem regenerar o cérebro — e podem ajudar-nos a fazer o mesmo

Artem Lysenko / Pexels

Axolotl (Ambystoma mexicanum)

A incrível capacidade do axolote de regenerar o seu próprio cérebro pode dar-nos pistas de como fazer o mesmo com o cérebro humano.

O axolote (Ambystoma mexicanum) é uma salamandra aquática conhecida pela sua capacidade de regenerar a sua medula espinal, coração e membros. Esses anfíbios também produzem novos neurónios ao longo da sua vida.

Em 1964, investigadores observaram que axolotes adultos conseguiam regenerar partes do seu cérebro, mesmo que uma grande parte fosse completamente removida. Contudo, um estudo descobriu que a regeneração cerebral do axolote tem uma capacidade limitada de reconstruir a estrutura original do tecido.

Então, com que perfeição os axolotes conseguem regenerar o seu cérebro após uma lesão?

Investigadores questionaram-se se os axolotes são capazes de regenerar todos os diferentes tipos de células no seu cérebro, incluindo as conexões que ligam uma região do cérebro a outra.

Num novo estudo publicado recentemente na revista Science, os autores criaram um atlas das células que compõem uma parte do cérebro do axolote, revelando detalhes sobre a forma como se regenera e a evolução do cérebro entre as espécies. O estudo conta com o português Tomás Gomes como coautor.

Diferentes tipos de células têm funções diferentes. Elas são capazes de se especializar em certos papéis porque cada uma expressa genes diferentes. Compreender quais tipos de células estão no cérebro e o que fazem ajuda a esclarecer o cômputo geral de como o cérebro funciona. Também permite que os cientistas façam comparações ao longo da evolução e tentem encontrar tendências biológicas entre as espécies.

Uma maneira de entender quais células estão a expressar quais genes é usando uma técnica chamada sequenciamento de ARN de célula única (scRNA-seq). Esta ferramenta permite contar o número de genes ativos dentro de cada célula de uma determinada amostra. Isso pinta o quadro das atividades que cada célula estava a fazer quando foi recolhida.

Esta ferramenta tem sido fundamental na compreensão dos tipos de células que existem nos cérebros dos animais. Os cientistas usaram scRNA-seq em peixes, répteis, ratos e até humanos. Mas uma peça importante do quebra-cabeça da evolução do cérebro está a faltar: os anfíbios.

Mapear o cérebro do axolote

A equipa de cientistas decidiu focar-se no telencéfalo do axolote. Nos humanos, o telencéfalo é a maior divisão do cérebro e contém uma região chamada neocórtex, que desempenha um papel fundamental no comportamento e na cognição dos animais.

Ao longo da evolução recente, o neocórtex cresceu massivamente em tamanho em comparação com outras regiões do cérebro. Da mesma forma, os tipos de células que compõem o telencéfalo em geral diversificaram-se e cresceram em complexidade ao longo do tempo, tornando essa região uma área intrigante para estudar.

Os autores usaram scRNA-seq para identificar os diferentes tipos de células que compõem o telencéfalo do axolote.

Identificaram quais genes estão ativos quando as células progenitoras tornam-se neurónios e descobriram que muitas passam por um tipo de célula intermediária chamada neuroblastos – anteriormente desconhecida em axolotes – antes de se tornarem neurónios maduros.

De seguida, os cientistas testaram a regeneração do axolote removendo uma secção do seu telencéfalo. Usando um método especializado de scRNA-seq, conseguiram capturar e sequenciar todas as novas células em diferentes estágios de regeneração, de uma a 12 semanas após a lesão. Por fim, descobriram que todos os tipos de células que foram removidos foram completamente restaurados.

Os autores observaram que a regeneração cerebral acontece em três fases principais. A primeira fase começa com um rápido aumento no número de células progenitoras, e uma pequena fração dessas células ativa um processo de cicatrização de feridas. Na fase dois, as células progenitoras começam a diferenciar-se em neuroblastos. Finalmente, na fase três, os neuroblastos diferenciam-se nos mesmos tipos de neurónios que foram originalmente perdidos.

Surpreendentemente, os cientistas também observaram que as ligações neuronais rompidas entre a área removida e outras áreas do cérebro foram reconectadas. Isto indica que a área regenerada também recuperou a sua função original.

Anfíbios e cérebros humanos

Adicionar anfíbios ao quebra-cabeças evolutivo permite aos investigadores inferir como é que o cérebro e os seus tipos de células mudaram ao longo do tempo, bem como os mecanismos por trás da regeneração.

Quando compraram os seus dados de axolotes com outras espécies, os autores descobriram que as células no seu telencéfalo apresentam forte semelhança com o hipocampo dos mamíferos, a região do cérebro envolvida na formação da memória, e o córtex olfativo, a região do cérebro envolvida no sentido de olfato.

Os investigadores encontraram até algumas semelhanças num tipo de célula de axolote com o neocórtex, a área do cérebro conhecida pela perceção, pensamento e raciocínio espacial em humanos.

Essas semelhanças indicam que essas áreas do cérebro podem ser conservadas evolutivamente, ou permaneceram comparáveis ao longo da evolução, e que o neocórtex dos mamíferos pode ter um tipo de célula ancestral dos anfíbios no telencéfalo.

Embora o novo estudo esclareça o processo de regeneração cerebral, incluindo quais genes estão envolvidos e como é que as células se tornam neurónios, ainda não sabemos quais sinais externos iniciam esse processo. Além disso, não sabemos se os processos que identificamos ainda são acessíveis a animais que evoluíram mais tarde, como ratos ou humanos.

Identificar todos os tipos de células no cérebro do axolote também ajuda a abrir caminho para estudos inovadores em medicina regenerativa.

Os cérebros de ratos e humanos perderam em grande parte a sua capacidade de se reparar ou regenerar. As intervenções médicas para lesões cerebrais graves atualmente concentram-se em terapias com medicamentos e células-estaminais para aumentar ou promover o reparo.

Examinar os genes e os tipos de células que permitem que os axolotes realizem uma regeneração quase perfeita pode ser a chave para melhorar os tratamentos para lesões graves e desbloquear o potencial de regeneração em humanos.

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