“Resultado surpreendente”. Fármacos usados em quimioterapia tratam sépsis

Um novo estudo liderado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência revela a forma como anticancerígenos limitam inflamações, posicionando-os como potencial tratamento para sépsis.

O novo estudo, publicado esta semana na revista científica eLife, mostra que os fármacos utilizados no tratamento do cancro limitam a produção exagerada de mediadores inflamatórios pelo sistema imunitário.

A descoberta posiciona estes medicamentos como potenciais tratamentos para doenças de natureza inflamatória, como a sépsis, que mata tanto ou mais que a doença oncológica.

Os dados revelam também mecanismos até agora desconhecidos que podem estar por trás da eficácia dos medicamentos usados na quimioterapia.

A reação exagerada do organismo à infeção, uma condição designada por sépsis, mata 11 milhões de pessoas por ano.

Isto porque para sobreviver a uma infeção grave não basta conseguir eliminar o agente infecioso, o que atualmente é feito de forma relativamente eficaz; é também necessário limitar os danos que este e a resposta imunitária provocam nos órgãos.

É nesta segunda componente, que ainda não faz parte da intervenção terapêutica na sépsis, que reside o foco do grupo de investigação Imunidade Inata e Inflamação do IGC.

A solução para proteger os órgãos poderá estar num grupo de fármacos frequentemente utilizado no tratamento do cancro: as antraciclinas.

No passado, a equipa mostrou que estes fármacos conseguem evitar a falência de órgãos em ratinhos com sépsis, sem afetar a carga do agente infecioso.

Esta descoberta inspirou um ensaio clínico na Alemanha que está a avaliar se a administração de antraciclinas tem uma influência positiva no curso da sépsis e se reduz o risco de morte dos doentes.

Mas para tirar o máximo partido destes fármacos é necessário compreender como é que estes conferem tolerância à infeção.

Para explorar esta questão, os investigadores testaram diferentes antraciclinas em células do sistema imunitário de ratinhos.

Os resultados foram surpreendentes: estes medicamentos anticancerígenos não só conseguiram limitar a quantidade de mediadores pró-inflamatórios produzidos pelas células, como precisaram de doses muito reduzidas para o fazer. O mesmo se verificou quando os investigadores trataram ratinhos com sépsis com estes fármacos.

O desafio seguinte foi perceber como é que estes fármacos controlam a inflamação. “Descobrimos que as antraciclinas controlam genes inflamatórios importantes nas células do sistema imunitário”, explica Ana Neves-Costa, investigadora do IGC e coautora do estudo.

Uma vez que formam complexos com o ADN das células, os fármacos impedem a ligação de fatores necessários para a expressão destes genes. Em resultado, as células produzem menos moléculas inflamatórias.

“Este novo mecanismo é particularmente importante porque exclui os efeitos secundários causados pela administração de doses elevadas destes compostos na quimioterapia”, acrescenta a investigadora.

“Com este trabalho encontrámos uma solução que poderá tratar doenças causadas por uma resposta inflamatória exagerada, tal como a sépsis e a artrite reumatoide, de forma mais eficaz”, explica Luís Moita, médico de formação e investigador principal do IGC que liderou o estudo.

“Uma vez que já são recorrentemente utilizados na prática clínica para o tratamento do cancro, reaproveitar estes fármacos será bastante mais fácil do que começar do zero”, acrescenta.

É provável, também, que a regulação da expressão genética e a limitação da inflamação descritas no estudo sejam fatores importantes, e até agora desconhecidos, para a eficácia das antraciclinas no tratamento do cancro.

ZAP // IGC

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