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Tic Tac. As badaladas do relógio biológico não batem só para as mulheres

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Com o avançar da idade dos pais, aumentam os riscos dos abortos espontâneos ou dos filhos nascerem prematuros ou com problemas de saúde. A percepção social de que a fertilidade é um problema feminino leva a que haja menos pesquisas sobre os homens.

É muitas vezes visto como um problema para as mulheres, mas o relógio biológico não é só uma ânsia feminina. Entre colunas alarmistas em revistas, pressões e perguntas intrusivas dos familiares e amigos e personagens em filmes e séries, desde crianças que as mulheres ficam conscientes de que têm um “prazo de validade” se quiserem ser mães.

Além das ocasionais perguntas dos pais que querem ter netos, esta cobrança costuma ser bastante menor no caso masculino — mas essa realidade parece estar a mudar. As preocupações de Connor, de 38 anos, relatadas no The Guardian começaram a meio de uma noite mal dormida. “Pensei: merda, posso não vir a conseguir ter filhos. Pode realmente não acontecer“, descreve.

“Começou comigo a pensar em como estou a tentar comprar uma casa e tudo está a acontecer demasiado tarde na minha vida. Depois comecei a preocupar-me sobre quanto tempo demoraria a poupar outra vez para casar, depois de comprar a casa. Estava a fazer as contas — quando é que vou poder casar, comprar uma casa e ter filhos? Provavelmente na casa dos 40“, revela.

Ansioso sobre a qualidade do seu esperma já depois dos 40, Connor receia que “alguma coisa errada” possa acontecer com o bebé. “E se eu e a minha namorada não resultarmos? Estarei num cenário ainda pior daqui a alguns anos”, desabafa.

Apesar de saber que considerar que ter filhos é o significado da vida “coloca os nossos problemas noutra pessoa”, naquela noite não conseguia parar de pensar em quão “vazia” a sua vida seria e em quão “insatisfeito” ficaria se os seus planos não se concretizassem.

Nos últimos anos, as indústrias que lucram à custa das inseguranças dos homens têm crescido e a noção de que não são só as mulheres a ter um “prazo de validade” tem ganhado relevância. Sejam transplantes capilares, estimulantes sexuais para o “motor de arranque” ou empresas dedicadas à estética dos dentes ou o combate às rugas que têm os homens como mercado alvo.

Os receios sobre os filhos não escapam. Apesar do tic tac do relógio biológico ser geralmente muito mais audível para as mulheres e da dificuldade em engravidar e os maiores riscos para o bebé após os 35 anos serem muito publicitados, os bancos para congelar esperma também têm ganhado popularidade, principalmente com as maiores preocupações de que a qualidade do sémen tem diminuído nas últimas décadas.

Estes medos não são só resultado de marketing alarmista, e há estudos científicos que mostram que a idade dos homens afecta a sua capacidade de ter filhos de uma forma comparável com a das mulheres, só que mais tarde e de forma mais gradual.

Quanto mais velhos os pais, mais difícil é ter filhos e a probabilidade de a criança nascer com problemas de saúde também aumenta. Há até pesquisas que sugerem que certas anomalias genéticas estão mais associadas à idade do pai do que da mãe e o risco de aborto espontâneo também sobe com o avançar da idade.

Se os pais tiverem 45 ou mais anos, os bebés tendem a ter classificações mais baixas no teste de Apgar que avalia a saúde dos recém-nascidos e tinham uma probabilidade 18% maior de sofrer convulsões comparativamente aos filhos de homens com idades entre 25 e 34 anos, concluiu um estudo de 2018.

O risco de diabetes gestacional também aumenta para as mulheres que têm filhos com homens mais velhos. As crianças também nascem em média 20 gramas mais leves e tinham um risco 14% superior de terem um peso baixo ao nascimento do que os filhos de homens mais jovens.

Os recém-nascidos com pais mais velhos também têm um igual risco 14% maior de serem admitidos em unidades de cuidados intensivos neonatais e de nascerem prematuros. “Há riscos potenciais com a espera. Os homens não devem pensar que têm um prazo ilimitado”, afirma Michael Eisenberg, autor do estudo.

As investigações sobre a contagem de espermatozóides ter caído 52% entre 1973 e 2011 nos homens ocidentais e os efeitos do ciclismo e do uso de calças justas na qualidade do sémen também não agoiram boas notícias. Há também correlações entre bebés com pais mais velhos e um aumento nos casos de autismo, esquizofrenia e certos tipos de cancro, apesar de a causalidade ainda não estar provada.

Os homens não têm uma menopausa, mas os cientistas apontam o período entre os 35 e 40 anos como a altura em que a contagem de espermatozóides começa a descer significativamente. A Sociedade Americana para a Medicina Reprodutiva inclusivamente agora recomenda que os doadores de esperma tenham menos de 40 anos.

O estilo de vida moderno mais stressante e com uma maior exposição a pesticidas, químicos industriais e microplásticos também ajudam a explicar esta mudança generacional.

Os problemas de fertilidade são geralmente vistos como uma questão feminina, mas essa noção está errada e pode levar a que os casais tomem decisões sem terem uma ideia verdadeiro do papel dos homens para a mulher engravidar e para a saúde do bebé.

Os contrastes na visão social entre os géneros levou a que a professora de biologia reprodutiva Laura Dodge começasse a estudar o relógio biológico masculino. “É a única área onde os homens são negligenciados!“, brinca.

No seu estudo a 19 mil casais que tinham tentado a fertilização in vitro, a equipa de Dodge concluiu que a taxa de nados-vivos para casais em que o homem tem 35 ou menos anos era 75% após seis rondas de tentativas. O valor caiu para 60% quando a idade do pai era igual ou superior a 45 anos devido à queda dos níveis de testosterona e à degradação do ADN.

A principal diferença entre os sexos é que as mulheres nascem com um número limitado de óvulos enquanto que os homens produzem esperma ao longo da vida. Este detalhe torna possível que os homens continuem a tecnicamente poder ter filhos numa idade avançada — com assim o mostram George Lucas, Mick Jagger, Rod Stewart, ou Charlie Chaplin, entre outros — e contribui para a ideia de que o relógio biológico é um problema feminino.

Para além dos riscos para a saúde, a pressão social também aumenta

Os alertas para o aumento dos riscos para os homens têm surgido apenas nos últimos anos em grande parte devido à falta de estudos sobre a saúde reprodutiva masculina.

Segundo os cálculos da socióloga Liberty Barnes, que é também autora de um livro sobre a infertilidade masculina, em 2013 havia cinco endocrinologistas reprodutivos especializados em pacientes femininas por cada urologista dedicado à fertilidade dos homens nos EUA.

É também muito mais comum os casais com dificuldades em engravidar procurarem tratamentos para as mulheres, como a fertilização in vitro, antes de verificarem se os homens têm as veias inchadas ou infecções — procedimentos mais simples e menos invasivos. “Enquanto socióloga, diria que isto está obviamente ligado às crenças de género”, explica ao Washington Post.

A influência social também se nota na forma como os pais ou mães com idades mais avançadas são encarados pelos profissionais de saúde. Qualquer mulher com 35 ou mais anos que tenha filhos será classificada como tendo uma gravidez geriátrica, mas a mesma etiqueta não é aplicada quando é o pai o mais velho.

Harry Fisch, médico de medicina reprodutiva e autor do livro de 2005 “O Relógio Biológico Masculino”, foi um dos primeiros a popularizar o tema e notou na pele a diferença entre a forma leviana como se fala da fertilidade feminina e defensiva quando se trata da dos homens. “Levei tantas críticas por escrever aquele livro, foi inacreditável. Meu Deus, pouco depois de ser publicado, muitas pessoas estavam chateadas por eu destruir a ideia de macho dos homens enquanto envelhecem”, revela.

A pressão social em cima dos ombros dos homens relativamente à paternidade tardia também pode estar aumentar simplesmente porque mais homens querem ter filhos, especialmente com a mudança da papel dos homens enquanto pais — se antes a sua função era apenas ganhar o sustento da família, hoje em dia já são mais responsáveis emocionalmente e pela educação das crianças.

“É mais provável que os homens queiram filhos do que no passado. Estão a ver mais valor emocional em ter filhos e a identificar-se mais fortemente com o papel paternal“, refere o sociólogo Kevin Shafer, perito na paternidade.

No caso de Adam, um professor de 51 anos, “não há um dia que passe” em que não pense sobre como nunca casou ou teve filhos e o pânico já se manifesta à noite, quando por vezes acorda sem conseguir respirar. “Isto não é só uma preocupação, é real. Acabou. As probabilidades é de que não vai acontecer“, desabafa.

“As pessoas fazem comentários tipo: “Olha para o Charlie Chaplin!” e eu penso, o que é que isso significa? Alguém famoso foi medicamente capaz de ter filhos numa certa idade e isso significa que eu também vou ter? Eu quero filhos com significado e desvalorizar isso ao dizer “bem, biologicamente podes ter filhos, por isso está tudo bem” é perturbador”, confessa.

Para terminar, Adam deixa um apelo: Gostava de ver mais consciência sobre como os homens não são só doadores de esperma. Nós pensamos seriamente sobre filhos e quando falamos sobre o desejo de os ter, esses sentimentos são muito fortes para mim”.

Adriana Peixoto, ZAP //

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