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Rascunho num envelope durante viagem de TGV levou ao melhor motor de todos os tempos

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Bugatti

Ferdinand Karl Piëch e o esboço do motor que desenhou num envelope, numa viagem de comboio entre Tóquio e Nagoya

Ferdinand Piëch, o lendário engenheiro da Porsche e Volkswagen, sonhou um revolucionário motor de 18 cilindros em W. Durante uma viagem de comboio, rabiscou-o num envelope. Um dia, comprou um Bugatti de brincar que o filho tinha pedido. Tinha encontrado a marca que poderia dar corpo ao seu sonho.

A semana passada teria marcado o 88.º aniversário do visionário engenheiro e empresário austríaco Ferdinand Piëch, presidente do Grupo Volkswagen entre 1993 e 2002 e a força motriz por trás de um dos projetos mais ousados da história da indústria automóvel: o Bugatti Veyron 16.4.

Para assinalar a ocasião, a Bugatti decidiu contar a fascinante história de como Piëch, que morreu em 2019, com 82 anos, ressuscitou a marca e criou o melhor motor de todos os tempos.

Engenheiro brilhante, Piëch esteve fortemente envolvido no desenvolvimento de carros icónicos como o Porsche 911 e 917, e mais tarde, na Audi, foi essencial para a criação do sistema de tração às quatro rodas Quattro, do motor de cinco cilindros e da tecnologia diesel TDI.

Mas foi entre 1993 a 2002, durante o seu mandato como CEO do Grupo Volkswagen, (onde permaneceu Chairman mais treze anos), que a mítica Bugatti renasceu e mudou para sempre o panorama automóvel.

Em 1997, Piëch estava a viajar no comboio de alta velocidade japonês Shinkansen com o diretor de desenvolvimento de motores da VW, Karl-Heinz Neumann, quando mencionou a sua ideia de um revolucionário motor de dezoito cilindros em W — algo que andava há anos a fervilhar na cabeça do engenheiro .

Durante a viagem, que levava os dois executivos de Tóquio até Nagoya, Piëch esboçou nas costas de um envelope um diagrama que descrevia genericamente o seu teórico motor W18.

Piëch sonhava com um carro que tivesse quase 1.000 cavalos de potência e fosse capaz de quebrar a barreira dos 400 km/h pela primeira vez, mantendo-se ultra-refinado e luxuoso o suficiente para fazer longas viagens. O problema era que o Grupo VW não tinha uma empresa adequada para o projeto.

Um presente pascal fatídico

A Volkswagen tinha considerado recorrer à Bentley ou à Rolls-Royce, mas durante as férias da Páscoa, nesse mesmo ano, tinha descoberto que a BMW iria adquirir a Rolls. Nessa mesma viagem, Gregor, filho de Piëch, pediu ao pai que lhe comprasse um modelo de um Bugatti Type 57 SC Atlantic, um carro que idolatrava.

A Bugatti, percebeu Piëch, seria a candidata perfeita para a sua ideia revolucionária. A 5 de maio de 1998, a VW comprou os direitos da marca Bugatti e imediatamente pôs mãos à obra.

Piech contratou na altura o designer industrial Giorgetto Giugiaro, especializado em supercarros, que na Italdesign tinha desenhado o EB112 com motor V12 para os anteriores proprietários da Bugatti em 1993, para reinventar a marca.

Em setembro de 1998, a revitalizada Bugatti revitalizada lançou o seu concept-car, o coupé de duas portas EB118, no Salão Automóvel de Paris, seguido pelo sedan EB218, em março do ano seguinte, no salão de Genebra.

Embora ambos os modelos tivessem um design evolutivo em relação ao EB112, usavam já versões experimentais do motor W18 com um sistema de tração às quatro rodas.

Foi apenas no IAA em Frankfurt, em setembro de 1999, que a Bugatti apresentou o carro que levaria diretamente ao Veyron de produção: conta o Jalopnik: o conceito EB 18/3 Chiron.

Optando por um layout de superdesportivo com motor central, em vez de um GT com motor dianteiro como os seus dois predecessores, o Chiron tinha um design aerodinâmico com carroçaria em fibra de carbono, além de características avançadas como uma asa traseira automaticamente destacável.

Nos três conceitos, o W18 de 6,3 litros de aspiração natural era composto por três bancos de seis cilindros retirados do motor VR6, deslocados 60 graus. O motor produzia 555 cavalos de potência e 649 newton-metro de binário, um pouco mais do que o V12 de quatro turbos utilizado pelo EB110.

Bugatti

Com uma velocidade máxima de 407 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 2,5 segundos, o Bugatti Veyron era mais do que uma maravilha técnica; era a personificação da busca incessante pela perfeição de Ferdinand Karl Piëch.

De 18 cilindros para 16

Apenas um mês depois, no Salão Automóvel de Tóquio de 1999, a Bugatti revelou o conceito EB 18/4 Veyron, desenhado internamente por Jozef Kabaň sob a direção do então chefe de design Hartmut Warkuß, que ainda utilizava o motor de dezoito cilindros. Era o design mais refinado e popular até então, pelo que foi escolhido como base para o carro de produção.

Avançando para o salão de Genebra na primavera seguinte, Piëch anunciou formalmente que a Bugatti planeava construir um superdesportivo com 1.001 CV e capaz de atingir 400 km/h.

“Será possível conduzir este supercarro a uma velocidade absurda na pista ou na autoestrada”, dizia Piëch,”e levá-lo confortavelmente até à ópera nessa mesma noite — tudo com os mesmos pneus”.

No outono desse ano, no salão de Paris, a Bugatti mostrou um novo protótipo do Veyron com um design quase pronto para produção. Chamava-se agora EB 16/4, pois tinha abandonado o W18 em favor de um motor W16 ligeiramente mais pequeno e leve. Simplificando, o W16 era como dois V8 colados num ângulo de 90 graus, com os bancos de cada V8 inclinados a 15 graus.

Também ganhou quatro turbocompressores para atingir os valores de potência e velocidade que Piëch desejava, e a caixa manual de 5 velocidades dos 4 conceitos anteriores foi abandonada, a favor de um caixa automática de dupla embraiagem.

Embora a Bugatti tenha anunciado a produção em série do Veyron em 2001, este só chegaria às mãos dos clientes quatro anos depois; como se pode imaginar, desenvolver um carro como este foi uma tarefa árdua, e os engenheiros tiveram de começar praticamente do zero em todos os aspetos.

O Veyron de produção viria a quebrar recordes de velocidade máxima e estabelecer um padrão impossivelmente elevado, que ainda hoje é difícil de superar. E tudo começou com um esboço num envelope e um carro de brincar.

ZAP //

2 Comments

    • Caro leitor,
      A viagem de Piëch entre Tóquio e Nagoya decorreu num comboio de alta velocidade — cujo acrónimo em Francês é TGV. Esta é de facto uma marca registada da SNCF. Em diferentes países, são usadas diferentes designações para este tipo de comboios (no Japão, por exemplo, são chamados Shinkansen), mas o acrónimo é usado frequentemente em Portugal como sinónimo de comboio de alta velocidade, pelo que vamos manter a expressão no título — admitindo que principalmente para o manter mais curto.
      O engenheiro morreu efetivamente em 2019, não em 2919. Obrigado pelo reparo, está corrigido.

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