A psicoterapia muitas vezes faz mal e tem pouca base científica, diz um… psicoterapeuta

Niklas Serning passou 20 anos a exercer psicoterapia. Agora tem muitas dúvidas em relação ao método. E está satisfeito por se ter afastado.

“Deixei de lado a teoria terapêutica, e acho que agora sou um terapeuta melhor por causa disso”.

“Depois de décadas a praticar psicoterapia, acredito que esta tem pouca base científica e muitas vezes causa danos“.

As palavras, directas e sem hesitações, são de Niklas Serning, um psicólogo credenciado do Reino Unido, que também é… psicoterapeuta. Ou era.

No seu artigo no Aeon, o especialista começa por dizer que há milénios que existe a arte de “estar ali para o outro”. Entre sábios, xamãs, sacerdotes, mais recentemente apareceram os psicoterapeutas.

“Surgiram uma série de tentativas de criar uma ciência da psicoterapia a partir disso. Mas há muito pouca ciência nisso“, avisa.

A psicoterapia, profissão reconhecida, em Portugal inclusive, baseia-se nos conhecimentos psicológicos e tenta ajudar a pessoa a ter consciência da origem dos seus problemas – para depois resolvê-los com mudanças. Procura-se, até se esmiúça o passado, relações antigas, contextos familiares… Não é igual a uma sessão de psicologia.

Claro que, para ser psicoterapeuta, é preciso experiência, inteligência, sabedoria e conhecimento.

Infância: será?

Mas, ao longo dos anos, Niklas foi perdendo a “fé” nesta terapia. Com a experiência, com casos concretos (e com leituras), começou a perceber, por exemplo, que eventos da infância e a parentalidade raramente interessam quando analisamos o que nos está a acontecer hoje, ou quando analisamos o que somos hoje, ou o nosso comportamento. O ambiente/contexto familiar tem muito pouca influência na sua personalidade actual, defende.

E baseia-se na segunda lei da genética comportamental para sustentar a sua ideia: a influência dos genes no comportamento humano é maior do que o ambiente familiar.

O psicólogo não hesita: “Talvez a grande maioria dos ensinamentos terapêuticos esteja errada sobre porque as pessoas sofrem“.

Seguidores de Sigmund Freud asseguram que as nossas personalidades e os nossos sofrimentos são consequência da forma como fomos tratados quando crianças. Pode acontecer, sim.

“Mas pode estar totalmente errado“, avisa o psicólogo.

E aí, se realmente essa associação estiver errada, o psicoterapeuta recomenda tratamentos que podem ser “em grande parte inúteis e potencialmente prejudiciais”. Por isso, aconselha Niklas, é melhor “examinar essas teorias mais cuidadosamente antes de, como profissão, causarmos mais danos”.

A infância faz parte do processo, é um estágio. Mas estamos a aprender o tempo todo. O sofrimento também está relacionado com a forma como nos relacionamos com o mundo e com as nossas circunstâncias actuais.

Aliás, o especialista até considera “um pouco arrogante” considerarmos que o sofrimento decorre da infância é uma tese universal, sempre verdadeira.

O psicólogo não foge a uma questão central: pagamos tanto dinheiro por tantas terapias – que não funcionam assim tão bem.

Niklas Serning acabou por alinhar no que aparece escrito no livro de Abigail Shrier, Bad Therapy, publicado no ano passado. A autora, licenciada em filosofia, avisa que a cultura terapêutica exerce um efeito tóxico e muitas vezes prejudicial sobre a cultura em geral.

Crianças

E depois o cenário torna-se mais perigoso quando lida com crianças. A ideia é os mais pequenos falarem, irem ao fundo do problema, à origem, para se sentirem melhor. Mas as crianças têm muito mais probabilidade de se identificar com os sentimentos e é muito mais provável “caírem num buraco de angústia cada vez maior”. As crianças saem da sessão mais ansiosas do que quando entram. “Não dá para brincar com ansiedade na caixa de areia”.

Além disso, fica a pergunta: “Porquê pedir às crianças que se afundem em sentimentos difíceis? Isso interrompe o processo natural de resiliência das crianças e de encontrar o bom”.

Aliás, por achar arriscada e estar contra uma premissa central da psicoterapia infantil – ajudar as crianças a explorar emoções difíceis – Niklas começou a recusar trabalho com crianças. Passou a centrar-se nos pais e no sistema mais amplo à volta da criança.

10% pioram

Um dado que não costuma ser revelado: 10% dos clientes pioram após iniciarem a terapia – nesses casos, a terapia pode não ser apenas inútil, mas activamente prejudicial, reforça.

“Acredito que o verdadeiro trabalho terapêutico é combater o ressentimento. O ressentimento é o cerne de todos os meus males, a dor em si não é. O ressentimento surge quando estamos com dor, mas acreditamos que temos o direito de não sentir dor”, analisa o psicólogo.

E finaliza: “Tendo abandonado teorias vazias e tendo informado o cliente de que nenhuma resolução mágica virá da minha parte – que a vida deles é responsabilidade deles – sinto-me fundamentado em milénios de sabedoria, numa linhagem de pessoas que oferecem apoio sobre como viver”.

ZAP //

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