Rara doença genética dos judeus asquenazes pode ser a chave para tratar a tuberculose

Um novo estudo revela que uma rara doença genética pode proteger os judeus asquenazes contra a tuberculose.

A tuberculose, o maior assassino infeccioso da humanidade, é causada por bactérias que geralmente afetam os pulmões, mas também podem afetar muitos outros órgãos do corpo. Em 2021, cerca de 10,6 milhões de pessoas em todo o mundo adoeceram com tuberculose e 1,6 milhões de pessoas morreram da doença.

No entanto, cerca de 95% das pessoas infetadas com a bactéria que causa a tuberculose não adoecem. O seu sistema imunitário consegue destrui-la com sucesso.

Uma equipa de cientistas está interessada no que torna algumas pessoas suscetíveis à tuberculose, enquanto outras parecem estar protegidas. Usaram o peixe-zebra para estudar a doença, uma vez que os seus sistemas imunitários compartilham muitas semelhanças com os humanos e é possível manipular os seus genes em laboratório.

Num novo estudo, publicado na revista científica PNAS, os autores usaram esse tipo de manipulação para mostrar que os genes carregados por muitos judeus asquezanes que os colocam em maior risco de uma doença rara também ajudam a protegê-los contra a tuberculose.

A equipa de cientistas tinha descoberto anteriormente que o peixe-zebra com mutações genéticas em certas enzimas nas suas células tornava-se mais suscetível à tuberculose.

Essas enzimas são encontradas nos lisossomas das células, componentes que quebram o material indesejado, incluindo proteínas e gorduras. Quando a produção dessas enzimas é reduzida, pode levar à acumulação de material tóxico.

Um tipo de célula vulnerável a essa acumulação é o macrófago, uma célula que “come” material tóxico, incluindo bactérias e resíduos. Nos distúrbios lisossómicos, os macrófagos movem-se lentamente e aumentam de tamanho porque acumulam material não digerido nas suas lisossomas, tornando-os menos capazes de combater infeções.

Os macrófagos precisam de se mover rapidamente para atacar bactérias e vírus invasores. O seu nome significa “grande comedor”, e é exatamente isso que eles fazem. Mas com distúrbios lisossómicos, são incapazes de decompor os alimentos que ingerem, o que os torna inchados e lentos, incapazes de desempenhar as suas funções.

Resistente à infeção

No entanto, quando os cientistas modificaram geneticamente o peixe-zebra para modelar um desses distúrbios lisossómicos, chamado doença de Gaucher, descobriram algo muito inesperado: esses peixes eram resistentes à tuberculose, e não suscetíveis.

A doença de Gaucher é uma doença rara que pode afetar qualquer pessoa, mas as taxas são significativamente altas entre os judeus asquenazes – cerca de 1 em 800 nascimentos.

Na maioria dos casos, a doença pode ser relativamente leve, com sintomas que incluem aumento do baço e do fígado, e anemia. Cerca de dois terços das pessoas que carregam duas cópias da variante genética mais comum não sabem que são portadoras.

Os investigadores criaram peixes-zebra com variantes genéticas que causam a doença de Gaucher em judeus asquenazes e, como esperado, os seus macrófagos aumentaram de tamanho e não conseguiram quebrar um tipo incomum de gordura chamada esfingolipídios. No entanto, quando os peixes foram expostos à tuberculose, os autores surpreenderam-se ao descobrir que eram resistentes à infeção.

A razão para esta resistência à infeção foi por causa do químico gorduroso que se acumula nos macrófagos na doença de Gaucher. Verificou-se que esse produto químico gordo atua como um solvente que pode matar bactérias da tuberculose em minutos.

Estes peixes, sem saber, levaram os cientistas a um debate que tem vindo a ocorrer na genética humana há décadas: os judeus asquenazes – que sabemos correm um risco muito maior de contrair a doença de Gaucher – de alguma forma têm menos probabilidade de contrair a infeção por tuberculose? A resposta parece ser sim.

A diáspora judaica asquenaze passou por séculos de perseguição, muitas vezes forçada a viver em guetos e migrar de país para país. Eles teriam sido altamente expostos à tuberculose, que se espalha mais amplamente entre condições de vida mais pobres e áreas urbanas densamente povoadas.

Essas variantes genéticas podem aumentar o risco da doença de Gaucher, mas também ajudam a proteger contra a tuberculose, dando-lhes uma vantagem seletiva – ou seja, tornando as variantes mais propensas a serem transmitidas de geração em geração e, portanto, disseminadas na população.

Um fenómeno semelhante é observado em grupos onde as pessoas carregam variantes genéticas que as protegem da malária, mas quando mais de uma cópia está presente, causa anemia prejudicial ou até mesmo doença falciforme.

Ao contrário do exemplo da anemia falciforme, no entanto, apenas as pessoas que carregam duas cópias da variante genética de Gaucher – uma de cada pai – provavelmente estarão protegidas contra a tuberculose. Isto acontece porque ter um gene “saudável” gera o suficiente da enzima para limpar o químico gorduroso que mata bactérias, de modo que ele não se acumule.

Esta descoberta pode fornecer pistas para possíveis novos tratamentos para a tuberculose. Medicamentos que imitam os efeitos da doença de Gaucher – especificamente a acumulação do químico gorduroso que atua como solvente – podem ser úteis na luta global contra a tuberculose.

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