Como Prigozhin e os “homens que amam a guerra” ameaçam Putin pela direita

TASS

Ao reivindicar a vitória na batalha por Bakhmut, Yevgeny Prigozhin, o fundador da empresa militar privada Wagner, deu outra das suas entrevistas inflamadas.

Ele criticou, em termos inequívocos, o ministro da defesa russo e o seu chefe de gabinete, o “Estado profundo” da Rússia – ou seja, a administração presidencial e o estabelecimento de “quase-defesa” – e as elites que protegem os seus filhos das frentes de batalha.

E revelou que não entende para que serve a guerra na Ucrânia, mas “enquanto houver uma luta, temos que lutar bem” – embora tenha acrescentado que a longa guerra que está por vir cobrará um preço enorme. Nisso, Prigozhin falou a verdade amarga – que levanta a questão de como ele se conseguiu safar, quando outros estão a ser condenados à prisão por críticas muito mais brandas.

A resposta é que ele reflete as opiniões de um segmento significativo da sociedade russa. Essas pessoas são pró-guerra, mas criticam a forma como ela é travada e destruídas pela corrupção e incompetência que custaram vidas ao exército. Esse sentimento anti-elite, mas “patriótico”, é compartilhado por aqueles que, sob certas circunstâncias, podem agir politicamente e, se necessário, com força, capacitando Prigozhin com um sentido de ressonância popular.

Entre essas figuras, destacam-se os “heróis” da chamada Primavera Russa, os homens que lutaram na insurgência no Donbass a partir de 2014. A narrativa comum no Ocidente é que essa insurgência foi exclusivamente uma jogada do Kremlin.

Mas a pesquisa com líderes, como Igor Strelkov (nome verdadeiro Girkin) e comandantes de campo sugeriu o contrário. Muitos desses comandantes foram motivados por convicções pessoais – antitéticos ao regime de Putin, eles sonhavam estabelecer um mundo russo idealizado numa nova “Novorossiya” no leste da Ucrânia, em contraste com o capitalismo de compadrio que caracteriza a Rússia de Putin.

Se surgirem circunstâncias críticas, esse grupo terá um papel a desempenhar – que parece estar cada vez mais próximo depois de Prigozhin erguer armas contra Putin.

O Estado russo, que inicialmente não sabia como lidar com estas personagens veementemente pró-Rússia, mas indisciplinadas, percebeu que eles poderiam ser perigosos. A partir de 2017, passaram a ser reprimidos.

Sputnik–i-Pogrom, o principal recurso intelectual online do nacionalismo russo de direita, foi bloqueado e o seu editor Yegor Prosvirnin morreu em circunstâncias suspeitas em 2021. Aqueles que sobreviveram foram mantidos sob controlo e fora da imprensa e da política, e viraram as suas energias para “milblogging“.

Homens que amam a guerra

Estes são homens que amam a guerra e tudo o que a acompanha – as armas, as táticas, as batalhas históricas, os jogos de guerra, os uniformes, as emoções das batalhas. Existem em qualquer sociedade – mas na Rússia, a intervenção na Ucrânia criou uma oportunidade para encontrarem proeminência política.

Esses “guerreiros da internet” subiram das margens obscuras para os holofotes da política. Os seus recursos comandam grandes audiências no Telegram. Canais como Rybar (1,13 milhões de subscritores), WarGonzo (1,3 milhões) e personalidades Igor Strelkov, o ex-“ministro da defesa” da autodeclarada República Popular de Donetsk, que iniciou a revolta inicial em 2014 (790.000), atraíram mais seguidores na Rússia do que seus homólogos liberais.

Publicam artigos, vídeos e envolvem-se com o público, classificando-se como voenkory, ou correspondentes de guerra. Os espectadores apreciam a sua avaliação sincera das realidades da linha de frente, as suas fontes com conhecimento real, jornalismo envolvente e convidados interessantes.

As emoções coletivas são importantes, e os “guerreiros” criaram uma subcultura que se mostrou cativante. Têm lendas próprias, como Vladlen Tatarsky (Maxim Fomin), que roubou bancos, cumpriu pena, escapou da prisão quando um tanque a bombardeou, lutou na insurgência de Donbass, publicou três livros de memórias e apresentou um canal popular. Foi recentemente assassinado numa explosão direcionada. Para Tatarsky e outros como ele, a guerra era uma aventura que valia a pena – mesmo que fosse curta.

O “Verso da Medalha”, canal do YouTube com o qual Tatarsky esteve envolvido, comercializa roupas marciais e insígnias como a do grupo Wagner – uma caveira vermelha com dois morteiros – que se tornaram um selo de reconhecimento entre os seguidores.

Choque cultural

Assim, duas culturas militares radicalmente diferentes chocam: um ministério da Defesa rígido e pesado que tem recursos do Estado por trás, e as táticas de guerrilha de voluntários e empresas militares privadas que dependem da improvisação e da iniciativa.

Estes dois grupos são cautelosos um com o outro. O ministério da Defesa tem sido cauteloso em fornecer a Wagner grandes quantidades de munições. Enquanto isso, Prigozhin ataca-os pelo fracasso militar. Putin, enquanto isso, observa, parecendo gostar de ver os generais a ser desafiados.

O Estado não pode se dar ao luxo de alienar esse eleitorado “guerreiro”, pois pode ter que contar com eles tanto na linha de frente quanto para ajudar a manter um ímpeto pró-guerra na sociedade.

Mas o Kremlin também está ciente dos riscos envolvidos – “guerreiros” como Prigozhin podem ser difíceis de controlar e podem desenvolver ambições, como ficou claro na recente rebelião armada de mercenários Wagner.

Existem animosidades pessoais e diferentes pontos de vista sobre o futuro da Rússia. E, no entanto, começam a surgir os contornos de uma força política que poderia influenciar os resultados pós-Putin na Rússia.

Se uma crise interna – a morte repentina de Putin, por exemplo – abrir uma janela de oportunidade e a elite dominante perder o controlo, esse eleitorado será o mais preparado para agir. Graças a nomes como Prigozhin, eles terão recursos organizacionais, financeiros e mediáticos à sua disposição. Prigozhin será um criador de reis, mesmo que não seja um rei.

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