Um pequeno país das Caraíbas sobrevive às custas da venda da sua cidadania

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Dominica

Há sete anos, o furacão Maria atingiu a costa da Dominica, causando chuvas torrenciais e destruindo quase todas as casas desta pequena ilha em poucas horas.

O país, mais conhecido pelas montanhas verdes do que pelas praias, ficou praticamente sem eletricidade; o abastecimento de água foi interrompido durante meses; e as comunicações demoraram mais de um ano até serem totalmente restabelecidas.

Naquele momento, o governo viu-se diante a necessidade de encontrar rapidamente uma fonte de receita que permitisse reconstruir parte da ilha num curto espaço de tempo.

Para isso, recorreu a um recurso antigo: a venda de cidadania.

“Convidamos indivíduos e famílias do mundo todo a investir no nosso país e, em troca, prometemos proporcionar-lhes a cidadania da Dominica, um status que oferece uma infinidade de oportunidades que transcendem fronteiras”, propôs o primeiro-ministro da Dominica, Roosevelt Skerrit, no site oficial do governo.

O chamado Programa de Cidadania por Investimento permite que estrangeiros tenham acesso a uma nova cidadania em troca de uma quantia significativa de dinheiro.

“Este mecanismo é atraente para os pequenos Estados insulares porque é uma forma de obter divisas em países que, em geral, precisam de importar quase tudo o que consomem”, afirma Kristin Surak, autora do livro The Golden Passport: Global Mobility for Millionaires (“O Passaporte Dourado: Mobilidade Global para Milionários”, em tradução livre), à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

O programa de venda de cidadania gerou mais de 1,2 mil milhões de dólares em receita para a ilha de 2017 a 2020, o que representa uma parte significativa dos recursos do Estado, de acordo com informações sobre a Dominica divulgadas no relatório do Projeto de Denúncia sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, na sigla em inglês), uma organização internacional de jornalismo investigativo sem fins lucrativos.

As informações oficiais apresentam um valor menor.

Mas o saldo da venda de cidadania não é apenas positivo — há também críticas severas das autoridades de outros países sobre questões de segurança internacional.

A Dominica argumenta, por sua vez, que o programa é seguro, e que aumentou os controles e os critérios de elegibilidade.

Três décadas de história

A venda da cidadania não é novidade na Dominica. Tampouco, no mundo.

pelo menos 20 países com disposições legais que permitem a venda de cidadania, mas apenas metade deles possuem programas realmente ativos — e cinco deles estão nas Caraíbas, segundo a especialista.

A Dominica é um deles. O seu Programa de Cidadania por Investimento está em vigor desde 1993, o que faz dele um dos programas de cidadania económica mais antigos do mundo.

“No início, houve muitos problemas. O programa previa desenvolver um hotel que nunca foi concluído. Os investidores pagavam, mas nunca se viam as mudanças no país, o que desencadeou vários processos judiciais”, explica Surak, professora da Universidade London School of Economics (LSE), no Reino Unido.

Mas foi somente após a passagem do furacão Maria, quando o país se comprometeu a se tornar “a primeira nação resiliente ao clima” do mundo, que a venda de cidadania se tornou a principal fonte de receita do país.

O programa disparou nos últimos anos, com receitas que chegaram a 30% de todo seu Produto Interno Bruto (PIB), exigindo um investimento inicial de pelo menos 200 mil dólares para cada solicitante, de acordo com informações oficiais.

No entanto, especialistas no assunto afirmam que o valor aumentou nos últimos anos, chegando a representar mais que o dobro.

“Pouco a pouco, a Dominica começou a depender cada vez mais deste programa. A questão é se todo o dinheiro das vendas de cidadania é realmente destinado ao desenvolvimento do país”, diz a investigadora.

A Dominica, assim como grande parte das ilhas pequenas, tornou-se um ator importante no cenário internacional na promoção das políticas climáticas mais ambiciosas, como o Acordo de Paris, porque sabe que é mais vulnerável.

De acordo com declarações oficiais, o país arrecadou mais de mil milhões de dólares desde 2009 através do seu esquema de cidadania por investimento.

Atualmente, há duas maneiras de “investidores respeitáveis” obterem legalmente a cidadania.

Primeiramente, fazendo uma contribuição direta de 100 mil dólares para o Estado através do Fundo de Diversificação Econômica. Em segundo lugar, investindo um mínimo de 200 mil dólares em projetos imobiliários aprovados pelo governo.

Uma vez que os investidores obtêm a nacionalidade dominicana, podem trabalhar e até mesmo desenvolver um negócio no país, de acordo com o governo. Mas também podem acessar o sistema financeiro internacional.

“Muitas pessoas que optam pela cidadania por investimento estão à procura de melhores opções de viagem, porque são provenientes de países como o Paquistão, onde só é possível entrar em cerca de 40 países sem visto”, explica Surak, que reconhece os aspetos positivos e negativos do programa na Dominica.

Diferentemente da rota tradicional para obter a cidadania em países do mundo todo, que exige vários anos de residência, a cidadania da Dominica pode ser obtida sem sequer colocar os pés na ilha, de acordo com o relatório de 2023 do OCCRP.

Críticas ao programa

À primeira vista, a medida oferece amplos benefícios para a pequena ilha. Mas, nos últimos tempos, começaram a surgir críticas em relação à facilidade de acesso tão rápido a uma cidadania.

A comissão da União Europeia levantou preocupações de segurança sobre o comércio e propôs suspender o seu regime de isenção de vistos para países que vendem cidadania, conforme destacou um relatório de 2023.

Os jornalistas do OCCRP responsáveis pela investigação detetaram, através do registo de 7,7 mil nomes de pessoas que adquiriram “cidadania por investimento”, que muitos dos novos “dominicanos” acabaram por ser posteriormente investigados, acusados ​​ou condenados por crimes noutros países.

A Dominica respondeu que a cidadania está proibida para solicitantes que tenham antecedentes criminais, estejam sob investigação criminal, e a quem tenha sido negada a cidadania noutro país ou um visto para os Estados Unidos.

Também afirmam que estão excluídos do processo aqueles que apresentaram informações falsas e que se envolveram em atividades que poderiam “prejudicar a reputação da Dominica”.

Já as solicitações de cidadãos da Bielorrússia, Irão, norte do Iraque, Coreia do Norte, Rússia, Iémen e Sudão estão sujeitas a uma “avaliação adicional, limitações ou proibições explícitas”.

No entanto, o que os críticos argumentam é que há problemas com a lei que podem surgir após a aquisição da cidadania, conforme verificado no relatório do OCCRP.

A resposta do governo a este argumento foi clara: “Se alguém se tornou cidadão hoje, e amanhã de manhã a pessoa faz alguma coisa e enfrenta problemas com a lei, não se pode culpar o programa por isso”, como respondeu o primeiro-ministro, Roosevelt Skerrit, à imprensa local.

Embora a Dominica tenha tomado medidas para fortalecer a integridade do programa, como a expansão dos poderes de revogação e dos critérios de elegibilidade, a ilha agora depende muito mais da venda da cidadania do que em meados da década de 1990.

“Em resumo, estamos a falar de desigualdade. Quero dizer, das desigualdades entre o local onde nasce, sobre o qual você não tem escolha, e da desigualdade de riqueza de quem pode comprá-la ou não”, resume Surak.

“Também mostra a desigualdade entre estes países pequenos e os mais ricos. Em última análise, o que faz quando precisa de importar tudo, e não tem muitos recursos naturais?”

ZAP // BBC

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