E mais uma coisa: partícula “fantástica” pode ser o neutrino mais energético de sempre

KM3NeT / Facebook

Cada uma das 800 cordas do ARCA tem 18 unidades de deteção — esferas de plexiglas com cerca de meio metro de largura, com detetores de luz que conseguem detetar pequenas quantidades de fotões.

Um neutrino ultra-energético, apanhado por detetores em águas profundas, poderá apontar para um acontecimento cósmico maciço. A descoberta foi apresentada pelo físico português João Coelho na conferência Neutrino 2024, mesmo no fim da sua palestra … deixando todos surpreendidos.

Um observatório ainda em construção no fundo do Mar Mediterrâneo detetou o que poderá ser o neutrino mais energético alguma vez observado.

Só há cerca de uma década é que se sabe da existência destes neutrinos de energia ultra-alta — minúsculas partículas subatómicas que viajam quase à velocidade da luz.

Pensa-se que estes neutrinos são mensageiros de alguns dos acontecimentos mais cataclísmicos do Universo, tais como os surtos de crescimento de buracos negros supermassivos em galáxias distantes.

A descoberta foi apresentada pelo físico de neutrinos português João Coelho, que surpreendeu os investigadores presentes na conferência Neutrino 2024 em Milão, Itália, no dia 18 de junho, ao revelar a descoberta apenas no fim da sua palestra. Steve Jobs, o mítico fundador da Apple, teria dito: “E mais uma coisa…“.

A deteção de neutrinos foi “um acontecimento fantástico”, afirma Francis Halzen, físico da Universidade de Wisconsin-Madison, citado pela Nature.

Esta observação realça o potencial do observatório de Investigação de Astropartículas com Cósmicos no Abismo (ARCA),  uma floresta de detetores em ‘cordas’ fixadas no fundo do mar, a 3.500 metros de profundidade, a sudeste da ilha italiana da Sicília.

“Este neutrino destaca-se realmente, muito longe de tudo o resto“, afirma o físico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que atualmente é investigador no Laboratório de AstroPartículas e Cosmologia em Paris.

João Coelho não revelou a direção exacta de onde a partícula veio, nem quando ocorreu a observação: ao fazê-lo, poderia ter alertado os concorrentes para a possível origem do neutrino, disseram à Nature os investigadores presentes na conferência.

Em vez disso, prometeu que esses pormenores seriam revelados num artigo, a publicar brevemente. “Seria muito interessante ver em que parte do céu se originou o neutrino”, diz Nepomuk Otte, físico do Instituto de Tecnologia da Geórgia, em Atlanta.

 

Contas em cordas

O ARCA é o maior componente de um observatório de neutrinos denominado Telescópio de Neutrinos de Quilómetro Cúbico (KM3NeT), que inclui também um conjunto ao largo de Toulon, em França. A colaboração inclui países europeus, bem como Marrocos, África do Sul, Austrália, Geórgia, China e Emirados Árabes Unidos.

O observatório tem vindo a recolher dados desde meados da década de 2010 e é atualmente composto por 28 cordas, que a equipa espera expandir para um total de 230 até 2028.

Cada uma destas cordas tem 800 metros de comprimento e 18 unidades de deteção — esferas de plexiglas com cerca de meio metro de largura, contendo detetores de luz que conseguem detetar pequenas quantidades de fotões.

A maior parte da luz que o ARCA deteta é o resultado de partículas de raios cósmicos altamente energéticas, que produzem chuvas de partículas subatómicas eletricamente carregadas quando atingem a atmosfera da Terra.

Estes chuveiros de partículas podem viajar na água durante quilómetros e deixar atrás de si fracos flashes de luz, que o ARCA foi concebido para detetar.

O observatório pode também detetar a luz de outros tipos de partículas, incluindo neutrinos. Não “vê” os neutrinos diretamente. Em vez disso, quando um neutrino atinge uma molécula — de ar, água ou rocha subjacente — pode criar uma partícula carregada altamente energética chamada muão, que produz uma “chuva” de outras partículas carregadas à medida que se desloca através do detetor.

Os neutrinos podem viajar através da Terra, pelo que as “chuvas de partículas” que produzem podem vir de qualquer direção, ao passo que os resultantes dos raios cósmicos tendem a vir da atmosfera.

Assim, quando o ARCA deteta uma destas “chuvadas” vindas de cima, pode ser difícil determinar a sua fonte, mas os “chuveiros” horizontais ou ascendentes têm maior probabilidade de ser neutrinos, explica Elisa Resconi, física de neutrinos da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha.

Mas para os neutrinos de maior energia, que transportam meio petaelectrão-volt (0,5×1015 eV) ou mais, a Terra atua como uma barreira, diz Resconi. Isto deixa uma faixa de céu à volta do horizonte onde as partículas que deslizam sobre a Terra podem ser detetadas e facilmente distinguidas dos raios cósmicos.

“Temos uma região estreita na qual podemos ver assinaturas muito limpas destes neutrinos”, diz Resconi.

Na sua palestra, Coelho adiantou que mais de um terço dos sensores do ARCA registaram flashes consistentes com um muão que atravessou o observatório horizontalmente, produzido por um neutrino que chegou de cerca de um grau abaixo do horizonte.

A partícula tinha provavelmente uma energia de muitas dezenas de petaelectrão-volts, acrescentou o físico português — o que a tornaria a mais energética alguma vez detetada.

ZAP //

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