Os Neandertais eram ainda mais “humanos” do que nós?

Kevin Webb / NHM Image Resources / The Natural History Museum, London

Reconstituição de um homo sapiens (esq) e neandertal (dir)

Desde a sua descoberta, no século XIX, que os Neandertais são conhecidos como os “primos brutos” e de sobrancelhas pesadas do Homo Sapiens. Mas, tal como nós, eram seres altamente inteligentes, culturalmente complexos e emocionalmente sensíveis.

Segundo o IFL Science, ao longo do século XIX, quando a teoria da evolução estava a lutar para se fixar no imaginário público, as discussões sobre os Neandertais foram ignoradas ou dissipadas pela maioria.

Aqueles que reconheciam a espécie ficavam muitas vezes intrigados com a sua natureza “primitiva”.

Em 1864, J.W. Dawson descreveu os Neandertais como “meio loucos, meio idiotas, cruéis e fortes”, enquanto outros achavam que os seus crânios tinham mais em comum com os chimpanzés do que com os humanos.

A sua reputação desumana ganhou fora, culminando num artigo escrito pelo paleontólogo Marcellin Boule, no início do século XX. Boule tinha posto as mãos no esqueleto de um Neandertal chamado “La Chapelle-aux-Saints 1” ou “o Velho“, que descreveu em pormenor.

Embora o esqueleto pré-histórico estivesse em muito bom estado, o individuo revelou-se um membro profundamente não representativo da espécie.

“Boule interpretou o esqueleto idoso e artrítico como um bruto idiota e encurvado — confundido a deformidade patológica com a idiotice de toda a espécie.

Este erro, argumentam os académicos, resultou numa ‘caracterização impiedosa’ da espécie que ‘quase sozinha’ revolucionou a forma como os cientistas pensam sobre os Neandertais”, escreveu Paige Madison, escritora científica e historiadora da paleoantropologia, num artigo publicado em 2020 no Journal of the History of Biology.

Madison argumenta ainda que a reputação do Neandertal de ser uma “criatura rude e repelente” começou efetivamente no século XIX, muito antes do trabalho de Boule. De qualquer modo, é evidente que os estereótipos se solidificaram no início do século XX.

Quando os investigadores voltaram a olhar para o “O velho” de La Chapelle em 1956, chegaram a interpretações completamente diferentes. As suas costas curvadas eram provavelmente causadas por um caso grave de osteoartrite, e não por uma estatura de “macaco”.

Para além disso, tinha perdido muitos dos seus dentes e poderia ter tido dificuldade em comer. Isto poderia sugerir que tinha outra pessoas, talvez a família ou a comunidade em geral, a cuidar dele num ato de altruísmo.

Investigações posteriores contrariaram esta afirmação de altruísmo, embora tenha sido sugerida muitas vezes noutros locais do registo arqueológico.

Os arqueólogos encontraram vários exemplos de Neandertais que parecem ter vivido com deficiências ou doenças degenerativas que devem ter exigido cuidados externos de outros para atingirem a sua idade.

Esta capacidade de empatia com os outros e de reagir em conformidade, utilizando conhecimentos e competências, revela um elevado grau de capacidade cognitiva, para não falar de inteligência emocional.

Para além de cuidarem dos seus entes queridos, os Neandertais enterravam-nos quando morriam. De facto, tanto os Neandertais como os humanos atuais começaram a enterrar os seus mortos aproximadamente na mesma altura — há cerca de 120 000 a 100 000 anos — mais ou menos na mesma parte do mundo.

Pode ser complicado interpretar os enterros. Talvez tenham começado simplesmente como uma forma de manter os cadáveres longe dos necrófagos ou de ajudar a controlar as doenças e os cheiros associados aos corpos em decomposição. Em alternativa, pode ser o sinal de um ritual que mostra uma compreensão da morte e da mortalidade.

Alguns arqueólogos podem ter insistido demasiado neste ponto. A Gruta de Shanidar, no Curdistão iraquiano, continha alguns dos restos mortais de Neandertal mais bem preservados alguma vez encontrados.

Entre os poucos esqueletos de Neandertal encontradas na gruta, um parece ter sido depositado com quantidades significativas de pólen, o que alguns argumentaram poder ser prova de que o indivíduo foi depositado com flores num belo ritual funerário.

A maioria dos cientistas já não acredita nesta explicação, acreditando que o pólen foi obra de mamíferos escavadores, abelhas e do acaso.

No entanto, existem muitas provas de comportamento complexos noutros locais, como as paredes das cavernas da Europa. Sabe-se que os Neandertais eram artísticos, uma característica que se associa a capacidades cognitivas avançadas porque demonstra pensamento abstrato, comunicação simbólica e criatividade.

Alguns dos primeiros exemplos de “arte” foram criados pelas mãos dos Neandertais. Um exemplo especialmente notável pode ser encontrado na Cueva de Ardales, em Espanha, onde, com cerca de 65 000 anos, os Neandertais pintaram as estalagmites da caverna com ocre, um pigmento terrestre de cor vermelha, rica em ferro.

Noutros locais, há vários exemplos de Neandertais que colocam a palma da mão na parede da caverna e, em seguida, passam a mão e pulverizam o ocre vermelho, deixando para trás uma forma perfeita de mão.

No livro Human Evolution ans Durvical, Nassel Malit, professor associado de antropologia biológica na Universidade Estatal de Nova Iorque, escreve um capítulo intitulado “Are the Neandertais Finally Becoming Human?” que analisa a forma como as perceções dos Neandertais evoluíram desde o século XIX.

Os Neandertais sempre foram humanos — tecnicamente — no sentido em que pertencem ao género de grandes símios conhecido como Homo, juntamente com a nossa espécie.

No entanto, Malit pergunta se os Neandertais são vistos a partilhar algum sentido de “humanidade”, particularmente na sua capacidade de compaixão, criatividade e consciência.

E diz que a resposta tem de ser “sim”, podemos agora dizer com confiança que os Neandertais eram tão “humanos” como o Homo Sapiens.

Poder-se-ia até argumentar que eram mais “humanos” do que nós. Entre os muitos fatores que levaram à sua extinção, há quem defenda que os Neandertais foram efetivamente ultrapassados pelo Homo Sapiens. Poder-se-á argumentar que o Homo Sapiens levou a melhor devido às suas tendências violentas e expansionistas, e não à sua sensibilidade e compaixão.

Então, afinal, quem são os bons da fita, eles ou nós?

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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