Não são só as longas filas que cria. A habitual curiosidade do português pode originar perigos sérios na estrada em causa.
“Houve um acidente na via direita, as filas de trânsito já se estendem por mais de um quilómetro a esta hora”.
Quantas vezes já terá ouvido isto na rádio, quando está a conduzir? E repare na primeira parte: acidente na via direita. A auto-estrada em causa se calhar até tem três ou quatro vias naquela zona, mas a fila já é enorme.
Porquê? Porque fica tudo a olhar. Ou quase tudo. A grande maioria dos condutores que passam fica a olhar para ver os estragos, para ver se há discussão, para ver qual é a marca do carro afectado, para ver se é alguém conhecido… Para ver tudo.
Há quem defenda que é só uma questão de precaução, de segurança. Ou seja, os condutores reduzem muito a velocidade para diminuir o risco de atropelar os envolvidos no acidente, ou as equipas médicas, ou os polícias.
Pois. Mas esse argumento desaparece quando o acidente… é do outro lado da auto-estrada, no sentido inverso. E se calhar na outra ponta, na via mais distante. Há trânsito na mesma no sentido que nem tem nada a ver com o acidente. Mas está tudo a olhar.
Ou seja: é mesmo curiosidade. O português gosta de ficar a ver.
E depois quem vai atrás é que sofre as consequências. A fila começa a ser de dezenas de metros, depois de centenas, às vezes de quilómetros.
Mas quem está lá atrás a queixar-se da demora desnecessária, quando chegar ao local do acidente, vai fazer o quê? O mesmo: ficar a olhar.
Mas o trânsito adicional, estes congestionamentos dispensáveis, até são o menos mal. Há outros quatro riscos mais perigosos, se pensarmos bem.
O primeiro é o ponto central: distracção. Se está a olhar para o lado para ver o acidente, não está olhar para o que está à sua frente. Se calhar devia. Assim aumenta o risco de colisões traseiras, especialmente se o trânsito desacelerar repentinamente.
O segundo: redução da consciência situacional. Traduzindo: deixa de estar atento às eventuais mudanças nas condições de tráfego, ou aos sinais de trânsito importantes – como a redução de velocidade ou alterações de via.
O terceiro, que tal como o segundo está ligado ao primeiro: reacção tardia. Se está distraído, diminui quase sempre o tempo de reacção do condutor a imprevistos. Pode ter que travar de repente, pode ter que se desviar de algo na estrada.
Por último, e se calhar o mais importante: riscos para as equipas médicas. Não propriamente os socorristas que já estão lá, mas aqueles que querem chegar lá e ainda não chegaram – porque quem vai à frente nem se apercebe. Estão mais concentrados em olhar para o acidente. Ou pior: pode estar tão distraído ao ponto de colidir com um veículo de emergência médica que está a chegar ao local, ou que já está lá.
Portanto, voltando ao título: deixe lá o acidente. Olhe em frente, siga viagem.
Faz-me lembrar uma que passei uma vez. Vinha no IC19 em direção a Lisboa, e havia uma fila imensa desde o Rio de Mouro. Ao chegar à zona do Cacém entendi o problema. Tinha havido um acidente na outra estrada, a estrada antiga e paralela ao IC19 que segue do Cacém para Massamá e Belas. O pessoal ao chegar àquele ponto, repito, no IC19, ia lento para ver o que se passava na outra estrada a alguns 50 metros de distância.