Investigadores, utilizando o Telescópio Espacial James Webb, deram uma primeira vista de olhos aos seus dados que sondam a química das regiões de discos em torno de jovens estrelas onde os planetas rochosos se formam.
Já nesta fase, os dados revelam que os discos são quimicamente diversos e ricos em moléculas como água, dióxido de carbono e compostos orgânicos de hidrocarbonetos como o benzeno, bem como pequenos grãos de carbono e silicatos.
O programa de observação MINDS do JWST, atualmente liderado pelo Instituto Max Planck para Astronomia, que reúne vários institutos de investigação europeus, promete fornecer uma visão revolucionária sobre as condições que precedem o nascimento dos planetas e, ao mesmo tempo, determinar as suas composições.
Astrónomos de 11 países europeus reuniram-se no projeto MINDS (MIRI mid-Infrared Disk Survey) para investigar as condições nas regiões interiores de tais discos onde se espera que se formem planetas rochosos a partir do gás e poeira que contêm.
Dão o passo seguinte para decifrar as condições dos discos de formação planetária – um pré-requisito para identificar os processos que dão azo a corpos sólidos, tais como planetas e cometas, que constituem os sistemas planetários.
Os resultados iniciais apresentados em dois artigos científicos demonstram a diversidade dos “berçários” de planetas rochosos.
Os discos variam desde ambientes ricos em compostos que contêm carbono, incluindo moléculas orgânicas tão complexas como o benzeno, até aglomerados que contêm dióxido de carbono e vestígios de água.
Tal como as impressões digitais, estas substâncias químicas produzem assinaturas identificáveis nos espectros que os astrónomos obtêm com as suas observações. Um espectro é uma exposição da luz em forma de arco-íris ou, como neste caso, por exemplo, radiação infravermelha, dividindo-a nas cores de que é composta.
“Estamos impressionados com a qualidade dos dados produzidos pelo MIRI”, diz Thomas Henning, Diretor do Instituto Max Planck para Astronomia em Heidelberg, Alemanha, e investigador principal do programa MINDS do GTO (Guaranteed Time Observation) do JWST.
“Esta riqueza de linhas espectrais não revela apenas a composição química do material do disco, acabando por evoluir para planetas e para as suas atmosferas. Também nos permite determinar condições físicas como densidades e temperaturas através e dentro desses discos de formação planetária, diretamente onde os planetas crescem”, acrescenta.
Dois tipos de CO2
“Podemos agora estudar os componentes químicos desses discos com muito mais precisão”, diz Sierra Grant, pós-doutorada no Instituto Max Planck para Física Extraterrestre em Garching, Alemanha.
Grant é a autora principal de um artigo, publicado este mês no The Astrophysical Journal Letters, que analisa um disco em torno de uma jovem estrela de baixa massa.
“O disco interior quente em torno de GW Lup parece estar bastante seco. Embora tenhamos detetado claramente moléculas contendo carbono e oxigénio, há muito menos água presente do que o esperado”, explica Grant.
Uma lacuna em torno da estrela central desprovida de gás explicaria a falta de água. “Se essa divisão se prolongasse até entre as linhas de neve da água e do dióxido de carbono, isso explicaria porque encontramos ali tão pouco vapor de água“, diz Grant.
As linhas de neve indicam zonas em forma de anel a distâncias variáveis da estrela, onde as temperaturas descem para valores onde certos elementos químicos congelam. A linha de neve da água está mais perto da estrela do que a do dióxido de carbono.
Portanto, se uma cavidade se estender para além da linha de neve da água, o gás fora desse perímetro ainda conteria dióxido de carbono, mas apenas pouca água.
Qualquer planeta que ali se formasse seria inicialmente bastante seco. Portanto, pequenos objetos gelados como cometas do sistema planetário exterior poderiam ser a única fonte substancial de água.
Por outro lado, se um planeta que interagisse com o disco fosse responsável por tal lacuna, isto sugeriria que o planeta teria acumulado água durante a sua formação.
A equipa também detetou, pela primeira vez, uma versão muito mais rara da molécula de CO2 num disco protoplanetário contendo um átomo de carbono que é ligeiramente mais pesado do que o tipo muito mais frequente.
Em contraste com o dióxido de carbono “normal” que apenas sonda a superfície mais quente do disco, a radiação do irmão mais pesado pode escapar do disco a partir de camadas mais profundas e mais frias.
A análise resulta em temperaturas de cerca de 200 Kelvin (-75º C) perto do plano médio do disco até aproximadamente 500 K (225º C) na sua superfície.
Química rica em carbono
A vida parece exigir carbono, formando compostos complexos. Enquanto moléculas simples de carbono, tais como monóxido de carbono e dióxido de carbono, permeiam a maioria dos discos de formação planetária, a química rica dos hidrocarbonetos do disco seguinte é bastante invulgar.
“O espectro do disco em torno da estrela de baixa massa J160532 revela gás hidrogénio quente e compostos de hidrogénio-carbono a temperaturas de cerca de 230º C”, diz Benoît Tabone, investigador do CNRS (Centre national de la recherche scientifique) no Institut d’Astrophysique Spatiale, Universidade de Paris-Saclay, França.
Tabone é o autor principal de outro estudo do projeto MINDS, pré-publicado em março no arXiv.
O sinal espectral mais forte provém de moléculas quente de acetileno, constituído por dois átomos de carbono e dois de hidrogénio.
Outros gases igualmente quentes de moléculas orgânicas são o diacetileno e o benzeno, as primeiras deteções num disco protoplanetário, e provavelmente também o metano.
Estas deteções indicam que este disco contém mais carbono do que oxigénio. Uma tal mistura na composição química poderia também influenciar as atmosferas dos planetas que aí se formam.
Em contraste, a água parece quase ausente. Ao invés, a maior parte da água pode estar trancada em calhaus gelados no disco exterior mais frio, não rastreáveis por estas observações.
Sementes para os planetas
Para além do gás, o material sólido é um constituinte típico dos discos protoplanetários. Em grande parte, consiste de grãos de silicato, basicamente areia fina. Crescem de nanopartículas a agregados micrométricos e estruturados aleatoriamente.
Quando aquecidos, podem assumir estruturas cristalinas.
Um trabalho, publicado em março no The Astrophysical Journal Letters por uma equipa liderada por Ágnes Kóspál, do Instituto Max Planck para Astronomia e Observatório Konkoly, Budapeste, Hungria,, que não faz parte do programa MINDS, demonstra como tais cristais podem entrar nos seixos rochosos que eventualmente constroem os planetas terrestres.
Os cientistas encontram tais cristais também em cometas e na crosta da Terra.
A equipa redescobriu cristais detetados há anos atrás no disco em torno da estrela em erupção recorrente, EX Lup, apenas recuperada de uma erupção recente. Proporcionou o calor necessário para o processo de cristalização.
Após um período de ausência, estes cristais reaparecem agora nos seus espectros, embora a temperaturas muito mais baixas, afastando-os ainda mais da estrela.
Esta redescoberta indica que os surtos repetidos podem ser essenciais para fornecer alguns dos blocos de construção dos sistemas planetários.
Nova era dourada da astronomia
Estes resultados mostram que a chegada do JWST inaugura uma nova era dourada na investigação astronómica. Já nesta fase inicial, os resultados são inéditos.
“Estamos ansiosos por saber novos resultados do JWST”, declara Henning. Ao todo, o programa MINDS visará os discos de 50 estrelas jovens de baixa massa. “Estamos ansiosos por aprender mais sobre a diversidade que vamos encontrar”.
“Ao aperfeiçoarmos os modelos utilizados para interpretar os espectros, também vamos melhorar os resultados em mão. Eventualmente, queremos explorar todas as capacidades do JWST e do MIRI para examinar estes berços planetários”, acrescenta Inga Kamp, colaboradora do MINDS e cientista do Instituto Astronómico Kapteyn da Universidade de Groninga, Países Baixos.
Aprender mais sobre a formação de planetas em torno de estrelas de massa muito baixa, ou seja, estrelas cerca de cinco a dez vezes menos massivas do que o Sol, é particularmente gratificante.
Os planetas rochosos são sobreabundantes em torno destas estrelas, com muitos planetas potencialmente habitáveis já detetados.
Portanto, o programa MINDS promete esclarecer algumas das questões-chave acerca da formação de planetas semelhantes à Terra e talvez sobre o aparecimento da vida.
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