O TikTok tem um irmão (censurado pela China)

As autoridades chinesas criaram um sistema de pontuação para a plataforma de streaming Douyin, penalizando quem transmitir conteúdo que viole um rigoroso código moral, incluindo “padrões de beleza anormais”.

Com o objetivo de aumentar o controlo sobre a utilização da Internet, Pequim iniciou no aplicativo Douyin, o equivalente ao TikTok para a China, um rigoroso sistema de avaliação por pontos para os streamers, criadores de conteúdo digital que fazem gravações ou transmissões ao vivo de qualquer tipo de conteúdo e publicam na Internet.

O sistema de pontuação, oficialmente denominado “pontuação saudável”, entrou em vigor em janeiro de 2024, após quase meio ano de testes.  No primeiro dia da implementação do sistema, cerca de cinco mil criadores de conteúdo digital enfrentaram punições e restrições de acesso a determinadas funções do aplicativo.

O sistema foi desenvolvido para “estabelecer limites e medidas de segurança” para o setor de transmissão ao vivo em rápido crescimento, informou a agência de notícias estatal chinesa Xinhua.

Em 2021, o Douyin já tinha lançado um “modo adolescente”, que limita a 40 minutos por dia o tempo que os utilizadores com menos de 14 anos passam no aplicativo.

Como funciona o sistema de pontuação

Segundo as novas regras, todos os streamers começam com 100 pontos. Os criadores de conteúdo considerados de destaque ou profissionais recebem 120 pontos.

Os pontos serão retirados aos criadores que cometerem “ofensas graves”, como conteúdos ou comportamentos que os censores considerem vulgares ou que promovam “visões não saudáveis sobre relacionamentos”. Insinuações sexuais, pseudociência, promoção de “padrões de beleza anormais” ou “violação da ordem pública e da moral” serão consideradas infrações moderadas.

Dos criadores de conteúdo que violarem essas regras, serão retirados pontos, conforme a gravidade da suposta ofensa. As infrações consideradas graves resultam na perda de quatro a oito pontos.

As sanções serão aplicadas quando os streamers ficarem abaixo dos 70 pontos. As punições podem variar desde restrições de uso até a proibição completa de fazer streaming, quando a pontuação descer a zero.

Agenda política de censura

Muitos utilizadores chineses elogiaram o sistema de pontos, na plataforma Weibo da China, dizendo que o sistema pode ajudar a regular o comportamento dos produtores de conteúdo ao vivo e impor limites.

À DW, a ex-gestora de redes sociais KK expressou preocupação por o sistema ser “provavelmente injusto”: “podes achar que eu uso pouca roupa e que a minha livestream é sensual. Por isso, acho que o julgamento não deve ser feito por um indivíduo ou sistema de IA com base em algumas capturas de ecrã.”

Tai Yu-hui, professora de comunicação e tecnologia da Universidade Nacional Yang-Ming Chiao-Tung, de Taiwan, também alerta sobre as diretrizes para “visões não saudáveis de relacionamentos” e “padrões de beleza anormais”: essas narrativas podem ter como alvo as minorias LGBTQ+, uma vez que “alguns streamers masculinos parecem femininos”.

Em 2021, a China baniu os “homens efeminados” da televisão — a liderança do país procura promover imagens dos homens que considera “masculinos”.

O Governo disse às emissoras do país para promoverem a “cultura revolucionária”, ampliando uma campanha para aumentar o controlo sobre os negócios e a sociedade, escrevia a NPR.

Neste sentido, o comunicado oficial indicava que não haverá mais espaço na oferta televisiva para gostos “deformados”. Usando gíria ofensiva para designar homens com aspeto considerado efeminado – “niang pao”, em chinês -, a Administração da Rádio e Televisão da China indicou que as emissoras devem “excluir resolutamente “maricas” e outros tipos de estética anormais”.

Cinco anos antes, Pequim já implementara uma lei de segurança cibernética que sinalizava controles mais rígidos sobre a Internet, seguida por uma série de severas repressões ao setor da tecnologia.

Nos últimos anos, a repressão da China virou-se gradualmente para plataformas de vídeos curtos, como o Douyin, aparentemente para impedir que os jovens passem demasiado tempo online.

Tai acredita que o sistema de pontuação faz parte de um plano maior do líder chinês Xi Jinping para exercer o controlo do Partido Comunista sobre o espaço digital: “Toda a política e os valores fundamentais de Xi Jinping visam que o partido comunista entre novamente na vida quotidiana da população, influenciando a sua ideologia e os seus pensamentos.”

As restrições ao Douyin, a principal plataforma de transmissão ao vivo da China, podem expandir e fortalecer ainda mais a censura de Pequim sobre o conteúdo online. Atualmente, o aplicativo tem cerca de 800 milhões de subscritores e uma contagem de mais de 600 milhões de utilizadores ativos por mês. Tal como o TikTok, é operado pela empresa ByteDance.

Em 2022, um importante canal de compras ao vivo foi desativado das redes sociais por quase quatro meses devido a uma breve aparição de “um bolo em forma de tanque” durante uma transmissão ao vivo.

Na véspera do 33º aniversário dos assassinatos de Tiananmen, o streaming de Li Jiaqi, um dos influencers mais famosos da China, foi abruptamente cortado quando este apareceu com o dito bolo de gelado com decorações de chocolate.

As referências aos protestos mortais de 1989 – assim como a imagem mais famosa das manifestações, de um homem em frente de uma fila de tanques – é estritamente censurada na China. “A maior parte da geração de jovens chineses de Li nem sequer tem conhecimento do que aconteceu naquele dia, quanto mais evocá-lo deliberadamente como meio de protesto”, disse Lüqiu Luwei da Universidade Baptista de Hong Kong.

Segundo Tai, embora os governos tenham de facto a responsabilidade de tomar medidas para regular o conteúdo das redes sociais, Xi está a usar isso como desculpa para justificar uma agenda política de censura social.

ZAP // DW

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