O relógio mais preciso do mundo permite sondar o tecido básico do espaço-tempo

Seriam necessários 15 mil milhões de anos, aproximadamente o tempo de existência do universo, para que o relógio que ocupa o laboratório de Jun Ye, no subsolo da Universidade do Colorado, perdesse um segundo.

É o relógio mais preciso do mundo. Pela sua invenção, o cientista sino-americano Jun Ye e o japonês Hidetoshi Katori dividiram 3 milhões de dólares (cerca de 2,5 milhões de euros) como vencedores do Prémio Breakthrough 2022 de Física Fundamental.

Trabalhando de forma independente, os dois cientistas desenvolveram técnicas com laser para capturar e arrefecer átomos, captando as suas vibrações, para construir o que se conhece como “relógios de rede óptica” — as peças de cronometragem mais precisas alguma vez construídas.

Estes relógios perdem um segundo a cada 15 mil milhões de anos. Em comparação, os relógios atómicos atuais perdem um segundo a cada 100 milhões de anos.

Mas o que se ganha com uma precisão maior? “Realmente, é um instrumento que permite sondar o tecido básico do espaço-tempo no universo”, explicou Ye à agência AFP.

Em laboratório, os cientistas demonstraram que o tempo se move mais devagar quando o relógio se aproxima a alguns centímetros do solo, em linha com a teoria da relatividade de Einstein.

Aplicados à tecnologia atual, estes relógios poderiam melhorar a precisão da navegação por GPS em mil vezes, ou ajudar um avião espacial não tripulado a pousar sem problemas em Marte.

Breve história do tempo

Melhorar a precisão e a exatidão da cronometragem é um objetivo desde que os antigos egípcios e chineses fabricavam relógios solares.

Um avanço-chave ocorreu com a invenção do relógio de pêndulo, em 1656, que se baseia num peso oscilante. Décadas mais tarde, os cronómetros eram suficientemente precisos para determinar a longitude de um barco no mar.

AndreyС / Pixabay

Sincronizar relógios de rede óptica nos melhores observatórios do mundo permitiria estudar melhor os buracos negros

No início do século XX, surgiram os relógios de quartzo, que quando recebem uma carga de eletricidade, vibram com frequências muito altas e específicas, com uma quantidade de tiques por segundo.

Os relógios de quartzo são omnipresentes na eletrónica moderna, mas ainda são um tanto suscetíveis às variações provocadas pelo processo de fabricação ou a condições como a temperatura.

O grande salto seguinte na cronometragem surgiu do aproveitamento dos movimentos de átomos estimulados com energia, para desenvolver relógios atómicos, que são imunes aos efeitos das variações ambientais.

Os físicos sabem que só uma frequência muito alta pode fazer com que as partículas ou os eletrões que orbitam o núcleo de um tipo específico de átomo saltem para uma órbita mais distante do núcleo, com um estado maior de energia.

Os relógios atómicos geram a frequência aproximada que faz com que os átomos do elemento Césio passem para este estado de maior energia.

Em seguida, um detector conta a quantidade destes átomos energizados, ajustando a frequência, se necessário, para deixar o relógio ainda mais preciso. A precisão é tão grande, que desde 1967, o segundo é definido como as 9.192.631.770 oscilações de um átomo de Césio.

Explorando o universo

Em laboratório, Katori e Ye encontraram forma de melhorar ainda mais os relógios atómicos, movendo as oscilações ao extremo visível do espectro eletromagnético, com frequências cem mil vezes mais altas do que as utilizadas nos relógios atómicos atuais, para torná-los ainda mais precisos.

Os dois cientistas aperceberam-se de que precisavam de uma forma de capturar os átomos, neste caso, de Estrôncio, e mantê-los estáveis a temperaturas ultrabaixas, para ajudar a medir o tempo com precisão.

Se os átomos caíssem devido à gravidade ou se movessem, haveria uma perda de precisão e a relatividade causaria distorções na cronometragem.

Para capturar os átomos, os investigadores criaram uma “rede óptica” de ondas laser que se movem em direções opostas para criar uma forma estacionária, similar a uma caixa de ovos.

Jun Ye et al

O “relógio de rede óptica” guardado no laboratório de Jun Ye, na Universidade do Colorado

Ye sente-se entusiasmado com o uso potencial de seu relógio. Por exemplo, sincronizar os relógios dos melhores observatórios do mundo até às menores frações de segundo permitiria aos astrónomos estudar melhor os buracos negros.

Relógios com maior precisão podem também lançar luz sobre os processos geológicos da Terra.

A relatividade diz que o tempo desacelera quando se aproxima de um corpo maciço, e um relógio suficientemente preciso poderia indicar a diferença entre rocha sólida e lava vulcânica sob a superfície, ajudando a prever uma erupção

Ye considera que o próximo grande desafio será miniaturizar a tecnologia, para a conseguir tirar do laboratório. E admite que às vezes é difícil explicar os conceitos fundamentais da física ao público.

“Mas quando as pessoas ouvem falar de relógios, sentem que é algo tangível, podem ligar-se ao conceito. É muito gratificante“, concluiu.

ZAP // AFP

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