O que se passa no seu cérebro quando vê arte abstrata? Novo estudo explica

Musée National d'Art Moderne/Wikimedia Commons

Yellow-Red-Blue (1925) de Vassily Kandinsky.

Investigação analisou a atividade cerebral de pessoas enquanto observavam arte abstrata e identificou porque é que interpretamos as manchas de tinta na tela de forma tão única.

Quando se olha para uma pintura abstrata num museu, por exemplo, o que se vê e o que se sente? Evoca uma memória antiga, um sentido de espiritualidade ou confusão?

Há muito tempo que artistas e filósofos tentam responder a estas perguntas, nomeadamente sobre o significado da arte. Agora, os cientistas ainda estão a investigar. Uma nova investigação analisou o que acontece no cérebro das pessoas quando estas observam arte abstrata.

Publicado na PNAS, o estudo fornece uma visão sobre como o cérebro interage com diferentes formas de arte e constrói experiências subjetivas.

Os investigadores afirmam que as suas descobertas corroboram o conceito de Beholder’s Share (A parte do observador), segundo o qual as obras de arte são completadas pelo espetador – todas as suas memórias pessoais, emoções e particularidades impregnam significados na obra.

“As nossas descobertas revelaram respostas mais específicas de cada pessoa a pinturas abstratas, indicando que os indivíduos contribuem com mais associações pessoais à arte abstrata do que à arte representativa”, escreveram os investigadores.

Como os nossos cérebros reagem à arte

São as diferentes formas como interpretamos a arte que dão pistas aos cientistas sobre as nossas mentes individuais e sobre como o cérebro constrói experiências subjetivas.

Para o estudo, os investigadores mediram a atividade cerebral de 59 pessoas, utilizando uma técnica chamada ressonância magnética funcional (fMRI). Os participantes foram colocados num scanner cerebral enquanto observavam pinturas artísticas abstratas e realistas.

Antes de falarmos sobre os resultados, alguns princípios básicos:

Quando vemos arte, o fluxo de informação visual vai do olho para uma parte do cérebro conhecida como córtex visual. É aí que a informação visual é processada pela primeira vez. Para atribuir significado a essa informação, ela é enviada para “instâncias superiores” do cérebro.

Agora vamos às descobertas. O estudo revelou que não havia diferenças reais na atividade cerebral dos participantes ao nível do córtex visual. Por outras palavras, os seus cérebros provavelmente criaram perceções visuais semelhantes da obra de arte – viram a mesma coisa.

Mas havia diferenças na atividade cerebral das pessoas nas regiões de instância superior, que são importantes para a experiência subjetiva. Em particular, registaram-se diferenças na atividade cerebral na rede de modo padrão – uma rede cerebral envolvida na imaginação, na evocação de memórias e no pensamento autorreferencial.

Isto sugere que a variabilidade subjetiva resulta de processos cognitivos mais elevados, em vez de diferenças no processamento sensorial inicial no córtex visual.

Os investigadores afirmam que o estudo abre espaço para novas questões sobre porque é que as pessoas interpretam obras de arte de formas diferentes. Por exemplo, as diferenças nas respostas interpretativas devem-se a diferenças na capacidade das pessoas de gerar representações da arte a partir de estímulos ambíguos? Ou, por outro lado, podem resultar de diferenças nas respostas emocionais ou no gosto estético?

Observar arte beneficia o cérebro

Estudos demonstram que ver arte tem efeitos benéficos para o cérebro e para a psicologia.

Por exemplo, está comprovado que ver arte reduz o stress. Em 2003, investigadores pediram a trabalhadores em Londres que cuspirem para um tubo antes e depois de passarem o intervalo de almoço numa galeria de arte. A análise laboratorial constatou que os níveis de cortisol tinham diminuído depois de verem arte, o que indicava que os níveis de stress se tinham normalizado.

É por isso que a arte abstrata é utilizada na terapia de condições relacionadas com o stress, como o transtorno de stress pós-traumático e a depressão, tendo demonstrado ajudar os pacientes a processar emoções e a reduzir o stress.

A arte é também uma ferramenta incrivelmente eficaz para a aprendizagem – algo bem conhecido pelos nossos antepassados, que usavam a arte rupestre para educar os outros membros da comunidade ao longo do tempo.

Quando se observa arte, os conceitos ou as histórias retratadas fixam-se na mente como o pólen nas patas das abelhas. A investigação sugere que parar para apreciar a estética de algo facilita a aprendizagem sobre o tema. Esta ideia de “parar para obter conhecimento” é motivada pelo prazer e pela curiosidade, levando-nos a fazer perguntas e a procurar informação.

Arte e neurociência: duas formas de entender o mundo

De certa forma, tanto a arte como a ciência tentam compreender e descrever o mundo que nos rodeia. O que difere são os seus métodos e formas de comunicação.

A arte cria experiências que são mais memoráveis ao evocar emoções ou compreensão, enquanto a ciência fornece ferramentas para a observação empírica e a razão.

Uma das maiores questões que mobilizam ambos os campos é porque é que as nossas experiências conscientes e os mundos percebidos diferem entre si – ou seja, o que torna as nossas mentes únicas.

Poetas e artistas exploram este tema há milénios, mas só agora as ferramentas da investigação neurocientífica estão suficientemente avançadas para sondar a mente humana e encontrar respostas.

A investigação está a começar a abordar e a responder a questões como porque é que algumas pessoas têm depressão e outras não, ou como é que a gravidez reconfigura o cérebro das mães. Mas os cientistas ainda estão longe de compreender como o cérebro cria a consciência e como recriar o pensamento humano em máquinas.

// DW

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