O que acontece quando (quase) morremos? Afinal não são só alucinações

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O primeiro estudo alguma vez realizado sobre o tema mostra como a luz ofuscante ou os cânticos angelicais não são apenas alucinações.

Estes clichés que nos fazem sentir como se estivéssemos a passar por uma experiência de “quase-morte”, com um filme da nossa vida a passar diante dos nossos olhos, não são somente alucinações.

Cientificamente, o conceito está bastante mal definido. Qualquer neurocientista, ou médico de cuidados intensivos, por exemplo, não sabe bem definir o que é uma experiência de quase-morte, ou sequer o que significa — é necessária mais investigação.

Segundo reporta a IFL Science, cientistas de várias áreas realizaram agora uma nova pesquisa sobre a morte, que foi apresentada num artigo publicado em fevereiro na National Library of Medicine.

O estudo é a primeira investigação de sempre a ser revista por pares, sobre o lado científico da morte. Foi realizada para “dar uma visão sobre potenciais mecanismos, implicações éticas e considerações metodológicas para uma investigação sistemática” e “identificar questões e controvérsias” nesta área de investigação.

Mas a verdade é que a morte do século XXI é, sem dúvida, um conceito diferente da morte do antigamente.

Estar ‘irreversivelmente morto’ é estar dependente da tecnologia“, escreveu Anders Sandberg, investigador do Instituto do Futuro da Humanidade da Universidade de Oxford, em 2016.

“Durante muito tempo, a falta de respiração e pulsação foram consideradas como as marcas da morte, até que os métodos de ressuscitação melhoraram. Hoje, as vítimas de afogamento que sofrem de hipotermia extrema, falta de oxigénio e falta de pulso e respiração durante várias horas podem ser reanimadas (com sorte e algumas intervenções médicas pesadas)”, escreveu Sandberg.

“Mesmo não ter um coração não é morte, se se estiver na mesa do cirurgião de transplante”, salientou o investigador.

Sandberg não esteve envolvido no estudo, mas focou-se na questão certa: a medicina moderna mudou fundamentalmente a forma como vemos a morte. Temos vindo a aprender o pouco que sabemos sobre a única certeza da vida.

“A paragem cardíaca não é um ataque cardíaco”, explicou Sam Parnia, diretor da Critical Care and Resuscitation Research na NYU Grossman School of Medicine, e autor principal do novo estudo, em declarações.

“[Em vez disso,] representa a fase final de uma doença ou um evento que provoca a morte de uma pessoa”, continuou o especialista.

“A Suporte Básico de Vida a pessoas em paragem cardiorrespiratória (PCR) mostrou-nos que a morte não é um estado absoluto, mas sim um processo que pode ser potencialmente invertido em algumas pessoas, mesmo depois de ter começado”, sublinhou Parnia.

Os investigadores salientam ainda que as evidências sugerem que nem os processos fisiológicos ou cognitivos terminam no “ponto da morte” — e embora os estudos científicos não tenham até agora conseguido provar a realidade das experiências de quase-morte, não são capazes de a refutar.

O que é notável é que estas experiências — das quais existem centenas de milhões de registos de diferentes culturas em todo o mundo — relatam consistentemente os mesmos temas e sensações.

Em geral, a experiência de quase-morte envolve primeiro sentir-se separado do próprio corpo e ter um elevado sentido de consciência e reconhecimento da morte.

Depois, uma sensação de viagem para algum destino, seguido de uma análise das ações, intenções e pensamentos para com os outros ao longo da vida.

Por fim, a sensação de estar num lugar acolhedor, antes de finalmente regressar ao mundo real (e, provavelmente, a paramédicos bastante aliviados).

Também se sabe que as experiências de quase-morte não têm muito em comum com alucinações, ilusões, ou experiências induzidas por drogas psicadélicas.

No entanto, muitas vezes resultam no mesmo tipo de transformação psicológica positiva a longo prazo, que estudos recentes têm associado ao uso de substâncias como a psilocibina.

“O que permitiu o estudo científico sobre a morte é o facto de as células cerebrais não ficarem irreversivelmente danificadas em minutos de privação de oxigénio, quando o coração pára”, explicou Parnia.

“Em vez disso, ‘morrem’ ao longo de algumas horas. Isto permite aos cientistas estudar objetivamente os eventos fisiológicos e mentais que ocorrem”, notou ainda.

A ciência moderna já nos deu uma visão sobre alguma desta experiência: estudos eletroencefalográficos mostraram, por exemplo, o surgimento de atividade gama e picos elétricos em relação à morte — um fenómeno normalmente associado a uma maior consciência.

Será isso responsável pelos “estados elevados de consciência e de reconhecimento da morte”, sentidos por aqueles que se aproximam do fim? Com futuras pesquisas, Parnia e os seus colegas esperam descobrir a resposta.

“Poucos estudos têm explorado o que acontece quando morremos de uma forma objetiva e científica”, comentou Parnia.

“[O nosso estudo] oferece perspetivas intrigantes sobre como a consciência existe nos seres humanos e pode abrir caminho a mais investigação”, conclui.

Alice Carqueja, ZAP //

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2 Comments

  1. Enquanto tentarem explicar questões de complexidade infinita como a vida, a consciência ou a espiritualidade com a limitada ciência de matriz materialista, nunca passarão das meras conjecturas.

    A ciência tem de alargar os seus métodos e paradigmas pra fora do materialismo reducionista. A ideia ridícula e ignorante de que o não-material se pode explicar com o material está ao nível de dizer que os números fracionários se explicam com números que inteiros.

    • Só a ciência produz conhecimento objetivo. Só pela física, fisiologia, bioquímica, etc, poderemos ter uma visão real sobre o que é a vida e a morte. Qualquer outra abordagem não nos traz nada que um neandertal não nos pudesse ter dado há milhares de anos, e isso são mitos, religiões, superstições e afins.

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