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O fundador do Taoismo poderá nunca ter existido

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A biografia de Laozi contém elementos sobrenaturais, incluindo um período de gestação de 62 anos e o nascimento já como um sábio idoso e barbudo

Terá Laozi existido, ou será esse nome apenas uma representação dos vários autores que se acredita terem escrito o famoso Tao Te Ching? Cada investigador tem a sua própria teoria e, como acontece frequentemente, na ausência de provas indiscutíveis, todas elas permanecem irreconciliáveis.

Nos reinos sombrios da história antiga, poucas figuras permanecem tão misteriosas como Laozi, o suposto autor do Tao Te Ching, o texto que viria a influenciar o surgimento de várias religiões, incluindo o Taoísmo e o Budismo.

Os historiadores continuam a debater se este “Velho Mestre” foi uma pessoa histórica real ou simplesmente uma atribuição conveniente para o que pode ter sido uma obra coletiva, abrangendo gerações.

O relato tradicional, principalmente do historiador Sima Qian, situa Laozi na China do século VI a.C. durante a dinastia Zhou. Segundo estas narrativas, Laozi serviu como guardião dos arquivos imperiais na capital Luoyang, onde alegadamente se encontrou com Confúcio.

No entanto, inconsistências nos próprios escritos de Qian lançam dúvidas sobre esta cronologia, pois o historiador retrata Laozi noutro texto como um mago da corte do século IV a.C. chamado Lao Dan, e ainda noutro como Lao Laizi.

Mesmo o local de nascimento de Laozi permanece incerto, embora a tradição sugira a província de Henan, possivelmente debaixo de uma ameixoeira—explicando uma origem do seu nome, Li-Er (“Orelhas de Ameixa”), nota o LBV.

O próprio nome “Laozi” não é um identificador pessoal, mas um título honorífico que significa “Velho Mestre”. Durante a dinastia Tang, governantes que afirmavam descender de Laozi concederam o grandioso título de “Misterioso e Primordial Imperador Supremo” a esta figura cada vez mais deificada

Elementos sobrenaturais acabaram por entrar na sua biografia, incluindo um período de gestação de 62 anos (correspondendo aos capítulos do Tao Te Ching) e o nascimento já como um sábio idoso e barbudo.

A lenda conta que Laozi deixou o seu cargo na corte em protesto contra o autoritarismo Zhou, partindo para leste montado num búfalo. Na fronteira, o guarda Luanyin (ou Yinji) persuadiu-o a registar a sua sabedoria antes de deixar a China para sempre.

Este texto tornou-se o Tao Te Ching, ou “O Livro do Caminho e da Virtude”, obra que inspirou o surgimento de diversas religiões e filosofias, em especial o taoismo e o budismo chan (e sua versão japonesa, o zen).

Depois de completar o seu manuscrito, Laozi continuou supostamente no exílio, nunca mais sendo visto. Algumas tradições afirmam que viajou para a Índia, tendo-se possivelmente tornado professor de Buda ou até o próprio Buda, dadas as semelhanças filosóficas entre o Taoísmo e o Budismo.

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Confúcio apresenta o pequeno Buda a Laozi

A natureza etérea destes relatos levou muitos estudiosos a questionar se Laozi existiu como descrito. Académicos ocidentais, em particular, sugeriram que o Tao Te Ching representa uma compilação de escritos de múltiplos autores em diferentes períodos, sendo “Laozi” apenas uma atribuição coletiva em vez de identificar uma única figura histórica.

Apesar destas incertezas, o legado filosófico de Laozi perdurou. Inicialmente secular, o Taoísmo incorporou posteriormente elementos místicos após a sua suposta morte, desenvolvendo-se na religiosa “Via dos Mestres Celestiais”.

Os seus princípios anti-autoritários inspiraram a Revolta dos Turbantes Amarelos, rebelião de camponeses contra o Imperador Ling que ocorreu na China no século II d.C., contribuindo para o colapso da dinastia Han.

O sistema filosófico atribuído a Laozi partilha semelhanças com o Confucionismo, mas enfatiza o individualismo espiritual sobre a organização social. Esta qualidade libertária atraiu posteriormente movimentos anarquistas que procuravam fundamentos filosóficos para a resistência à autoridade centralizada.

Quer Laozi tenha sido um génio singular, figura coletiva ou invenção literária, a sabedoria contida no Tao Te Ching continua a influenciar o pensamento Oriental e Ocidental, transcendendo questões de autoria com os seus insights duradouros sobre a natureza humana.

ZAP //

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