O exército da Nação do Fogo incendiou a capital inimiga. Depois as coisas descontrolaram-se

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Há 2.000 anos, uma batalha entre dois impérios da antiga China terminou em fogo — e uma espécie de árvore nunca recuperou da calamidade ecológica que se seguiu.

As raízes e tocos enterrados de uma floresta antiga no sul da China são os restos carbonizados de uma guerra antiga e do incêndio de uma cidade capital.

A conclusão é de um estudo publicado a semana passada na Science Advances, no qual os investigadores dataram os tocos por carbono e mediram carvão e pólen nas camadas de turfa que os rodeiam.

Pode não ser óbvio hoje, mas há uma floresta antiga escondida sob as terras agrícolas do Delta do Rio das Pérolas, no sul da China. Espalhadas por 2.000 km2, encontram-se espessas camadas de turfa encharcada, agora cobertas pela agricultura.

É tudo o que resta do que costumava ser um próspero ecossistema de zonas húmidas, lar de florestas de cipreste de pântano chinês, juntamente com elefantes, tigres, crocodilos e aves tropicais.

Mas a turfa esconde os tocos e raízes enterrados e preservados de árvores de cipreste; alguns dos maiores tocos têm quase 2 metros de largura, e muitos têm marcas de queimaduras no topo.

“Estas camadas de turfa são conhecidas localmente como ‘floresta antiga enterrada‘, porque muitas das árvores enterradas parecem frescas e a maioria dos tocos ainda se encontra de pé”, escreve Ning Wang, investigador da Academia Chinesa de Cientistas e primeiro autor do artigo.

Esta estranha floresta enterrada é o último eco da invasão do exército Han durante uma guerra há cerca de 2.100 anos.

Quando a Nação do Fogo atacou

Wang e colegas dataram por radiocarbono os anéis mais externos dos tocos para descobrir quando é que as árvores tinham parado de crescer, e a resposta é há cerca de 2.100 anos — com uma margem de erro de cerca de 70 anos.

Aparentemente, os ciprestes morreram aproximadamente ao mesmo tempo numa ampla faixa de pântano, numa espécie de calamidade ecológica. Com base nas marcas de queimadura que cicatrizaram o topo de muitos dos tocos, a floresta pereceu em chamas.

Por coincidência, a história regista uma calamidade incendiária no Delta do Rio das Pérolas por volta de 111 a.C, conta o ArsTechnica.

O delta era o lar de um reino antigo chamado Nanyue, que governava a maior parte do que são agora as províncias chinesas do sul de Guangdong e Guangxi, juntamente com o que é agora a parte norte do Vietname.

Nanyue ascendeu ao poder por volta de 204 a.C., precisamente quando o famoso Império Qin, que tinha unido a maior parte da China sob o seu domínio, começava a desmoronar-se.

Um antigo general Qin, Zhao Tuo, aproveitou o caos para transformar uma antiga província Qin no reino independente de Nanyue, que os seus descendentes governaram durante o século seguinte. Porém, tudo mudou quando a Nação do Fogo — melhor dizendo, o Império Han—atacou.

O império Han ascendeu na sequência do colapso da dinastia Qin, após uma curta guerra com uma dinastia rival chamada Chu, e passou o século seguinte a referir-se arrogantemente a Nanyue como um estado vassalo — e a pedir-lhe ocasionalmente  tributo.

Por vezes, os governantes de Nanyue colaboravam, mas tudo chegou a um ponto crítico por volta de 111 a.C., na sequência de uma tentativa de golpe e de uma série de assassinatos. O Imperador Han enviou um exército de entre 100.000 e 200.000 soldados para invadir Nanyue sob o comando de um general chamado Lu Bode.

As tropas marcharam pelo campo a partir de cinco direções, convergindo fora da cidade capital de Nanyue, Panyou, que ficava no Delta do Rio das Pérolas, perto da moderna cidade de Guangzhou. Um comandante de companhia mais arrojado, chamado Yang Pu, teve a ideia brilhante de incendiar a cidade — e acabou mal.

O fogo não só destruiu a cidade, mas também saiu de controlo para as florestas circundantes”, escrevem Wang e colegas. Os ciprestes arderam até à linha de água, deixando apenas os seus tocos submersos para trás.

Daderot / Wikipedia

Exemplar de cipreste do pântano chinês (Glyptostrobus pensilis)

Guerra, fogo e arroz

Na época da invasão, a terra ao redor de Panyou era principalmente pântano, arborizada com ciprestes. As pessoas tinham vivido lá durante milhares de anos e cultivavam arroz há cerca de 2.000 anos.

Pedaços de carvão nas camadas de turfa que Wang e colegas analisaram revelam que os locais praticavam agricultura de corte e queima, mas em pequena escala, rotacionando os seus campos para que a floresta de ciprestes (Glyptostrobus pensilis) pudesse começar a recuperar após uma ou duas estações.

As pequenas queimadas não são nada comparadas com o incêndio florestal que Yang Pu desencadeou, ou com a queima maciça e o remodelação da paisagem que se seguiram.

Os tocos das árvores de cipreste queimadas desapareceram lentamente sob vários metros de turfa, enquanto acima da antiga floresta enterrada, a vida continuava.

Tigres, elefantes, rinocerontes e pavões-verdes já não caminhavam por ali. Em vez disso, grãos de pólen das camadas de argila acima da turfa revelam um súbito influxo de plantas da família gramínea Poaceae, que inclui arroz, trigo e cevada.

Esse pólen, juntamente com depósitos de carvão mais espessos do que o habitual, sugere que as pessoas estavam a queimar as árvores restantes em grande escala para abrir espaço para mais campos de arroz.

Apoiados em registos históricos, Wang e colegas dizem que o pólen e o carvão enterrados nesses sedimentos apontam para um aumento dramático da população local e da escala da sua indústria agrícola.

Isso foi provavelmente um esforço para alimentar o enorme exército invasor no início, mas foi seguido pelo que os autores do estudo descrevem como “uma ação governamental destinada a consolidar os resultados da vitória” — por outras palavras, mover mais pessoas para a região e colocá-las a trabalhar em quintas.

Sedimentos oceânicos próximos revelam que, aproximadamente na mesma época, mais cobre e chumbo começaram a ser arrastados para o mar a partir do Delta do Rio das Pérolas, sugerindo que as pessoas estavam a fazer ferramentas agrícolas de cobre e moedas e a usar chumbo em cosméticos e artigos de metal.

Assim, concluem os autores do estudo, o ataque incendiário descontrolado do exército Han, seguido pelos anos de queimadas e agricultura que se seguiram, empurrou o cipreste de pântano chinês para o limiar da extinção.

ZAP //

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