Mulheres viking com cabeça em forma de cone. Não eram aliens, só fizeram trocas comerciais

Mirosław Kuźma, Matthias Toplak

As mulheres da Idade Viking com crânios deformados em forma de cone terão aprendido a prática de atar a cabeça em trocas comerciais com habitantes de uma região longínqua, revela um novo estudo. Os Hunos, nem mais.

Estudos arqueológicos recentes mostraram evidências de práticas de modificação corporal permanente, nomeadamente no crânio, durante a Era Viking.

Esse é o caso de modificações cranianas encontradas nos esqueletos de três mulheres enterradas na ilha báltica de Gotland há quase 1000 anos.

De acordo com um novo estudo, publicado na Current Swedish Archaeology, os crânios alongados e em forma de cone destas mulheres podem ser a prova de contactos comerciais com habitantes da região do Mar Negro.

Os crânios das três mulheres, sugerem os autores do estudo, terão sido modificados deliberadamente desde o nascimento — modificação que era conseguida envolvendo as suas cabeças com ligaduras.

Esta prática era comum entre os Hunos nómadas que invadiram a Europa vindos da Ásia nos séculos IV e V, e foi seguida até ao século X em algumas regiões do sudeste da Europa.

As modificações cranianas entre os Hunos nómadas são um aspeto fascinante da sua cultura. A prática envolvia alterar intencionalmente a forma do crânio humano desde tenra idade, geralmente através da constrição da cabeça com ligaduras ou tábuas rígidas, e realizada principalmente em crianças, uma vez que os ossos do crânio nessa idade ainda são maleáveis.

No entanto, estas modificações corporais apenas foram encontradas na Escandinávia, até agora, nos crânios destas três mulheres, não havendo registo, em toda a península, de outros esqueletos da Era Viking (793 a 1066 d.C.) com crânios alongados.

“Isso indica que se tratava de uma prática estrangeira“, diz ao Live Science Matthias Toplak, arqueólogo do Museu Viking Haithabu, na Alemanha, e autor principal do estudo.

“Não é claro se as modificações no crânio eram disfarçadas com um penteado distinto, mas presumo que a aparência estrangeira, ou melhor, alienígena, destas mulheres era notória. Pode ter sido um símbolo de uma certa elite ou de algum outro grupo social”, explica Toplak.

“É provável que a modificação do crânio fosse restrita a algumas mulheres de uma família ao longo de algumas gerações, talvez para destacar a sua ligação a uma região distante, onde as modificações fossem mais comuns” acrescenta. “Pelo menos uma das mulheres poderia ser originária dessa região”.

Mirosław Kuźma, Matthias Toplak

“As deformações do crânio nas mulheres de Gotland seriam consideradas como uma prova de contactos comerciais de longo alcance e, portanto, como símbolos de influência e sucesso no comércio“, sugere Matthias Toplak.

Toplak e Lukas Kerk, arqueólogo da Universidade de Münster, na Alemanha, e co-autor do estudo, analisaram as evidências de modificação do crânio de Gotland e os dentes limados encontrados em crânios de toda a Escandinávia.

Os autores sugerem que a prática de limar os dentes pode ter sido utilizada como um sinal de identificação – talvez clandestino – para certos grupos de comerciantes da Era Viking, e poderia ser efetuada como um rito de iniciação.

Um estudo anterior, publicado em 2005 no American Journal of Biological Anthropology, tinha sugerido que as marcas podem ter resultado da utilização dos dentes como ferramentas — por exemplo, no trabalho do couro.

Lisa Hartzell / SHM

Pormenor do crânio que mostra os sulcos feitos deliberadamente em dentes da frente, com uma lima de ferro, possivelmente como forma clandestina de identificação.

No entanto, o estudo de Toplak e Kerk mostra agora que estas marcas eram feitas deliberadamente.

“As alterações nos dentes de crânios da Era Viking encontrados em toda a Escandinávia são intencionais“, diz Toplak. “As experiências modernas indicam que é necessária uma lima de ferro para obter estas ranhuras distintas”.

A prática parece ter tido origem na região sueca de Uppland, mas a concentração de dentes limados nos crânios encontrados em Gotland mostra a importância da ilha para o comércio. “Gotland foi o centro de todas as atividades comerciais no Báltico, do final da Era Viking até toda a Idade Média”, afirmou.

No entanto, a limagem de dentes parece ter desaparecido na Escandinávia após o século XII. “O declínio deste costume corresponde ao desenvolvimento das clássicas corporações de mercadores na Idade Média“, afirma Toplak.

Mas por que motivo então os vikings de Gotland limavam os dentes e deformavam os crânios ao ponto de quase parecerem extra-terrestres?

Os escandinavos da Era Viking eram famosos também pelas suas tatuagens, que foram descritas num relato de viagem do século X escrito pelo diplomata árabe Aḥmad ibn Faḍlān.

Segundo Kurt Alt, arqueólogo da Universidade Privada do Danúbio, na Áustria, que não esteve envolvido no estudo, a prática de modificação cranial é encontrada em numerosos contextos em todo o mundo, e geralmente entre as mulheres.

Esses crânios nem sempre eram sinais de mulheres nascidas no estrangeiro, porque as mulheres nativas também imitavam o costume, explica Alt. “O crânio, o rosto e os dentes são particularmente adequados para refletir uma identidade. As outras partes do corpo não são suficientemente visíveis“.

Mais de mil anos depois das mulheres de Gotland, o recurso à modificação corporal continua nos dias de hoje a ser uma forma de afirmação de identidade. Felizmente, em vez de deformar o crânio, usamos apenas piercings e tatuagens — que podem ser ostentadas em partes do corpo mais variadas.

Armando Batista, ZAP //

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