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Muito antes de Marilyn tivemos a divina Sarah — a primeira celebridade moderna

Houghton Library, Harvard University

Sarah Bernhardt como Cleopatra, 1891

Excêntrica, escandalosa, “A Incomparável”. Todos termos que descrevem aquela que foi a primeira influencer dos tempos modernos. Na celebração do centenário da sua morte, uma nova exibição em Paris revive a história da sua “Sara Divina”.

Antes de Marylin, o mundo adorou uma diva francesa que pisava os grandes palcos e surgia nos grandes ecrãs. Com a sua “voz dourada” e uma esdrúxula presença, a emancipada e multifacetada Sarah Bernhardt conseguiu tornar-se na primeira grande celebridade moderna.

A vida da atriz é agora revivida na nova exibição “Sarah Bernhardt: E a Mulher Criou a Estrela” no Petit Palais, em Paris, a sua cidade natal.

Desde pósteres e fotografias a pinturas, esculturas e trajes, a homenagem contém cerca de 400 peças que contam a história da famosa artista.

Wikimedia Commons

Sarah Bernhardt, fotografada por Félix Nadar (1864)

Cortesã e filha de mãe com o mesmo título –  Judith, que era inclusive amante do irmão de Napoleão III – a parisiense nascia a 22 de outubro de 1844 sob o nome biológico Henriette-Rosine Bernard, mas foi só na casa dos vinte, quando Alexandre Dumas a levou para o infame teatro Comedie Francese, que a parisiense descobriu a sua paixão pela representação, altura em que começou a estudar a arte e a participar em várias produções em que tinha papéis humildes.

Seria o seu papel em Le Passant, peça de François Coppée (1869) a sua porta para a fama, que lhe traria papéis de importantes figuras históricas como Cleopatra e a sua compatriota Joana d’Arc.

Sob o nome de Sarah Bernhardt, acabaria por ver o mundo inteiro graças aos palcos… e ao seu estilo peculiar.

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Retrato da atriz pintado pelo amigo Georges Clairin (1876)

“À frente do seu tempo”

O seu gosto pelo excêntrico, exótico, proibido e bizarro — a atriz foi, numa ocasião em particular, vista a dormitar dentro de um caixão — construía mística à sua volta. Os repórteres começavam a seguir a atriz para todo o lado e o seu autógrafo era requisitado por todo o povo.

SiefkinDR / Wikimedia Commons

Sarah Bernhardt no famoso caixão (1873)

A atriz fez do estilo Gótico a sua imagem, usando excêntricos chapéus feitos de morcegos ou até adotando um crocodilo bebé, o Ali Gaga, que acabaria por morrer com insuficiência renal devido à sua alimentação à base de… champanhe.

“Os trajes dela eram tão volumosos que as proteções de fronteiras dos EUA pensaram que estava a importar bens de luxo para vender”, conta à AP Stephanie Cantarutti, curadora da exibição, recordando uma situação em que a atriz viajou acompanhada de 40 malas.

Destruidora de barreiras sociais com o auxílio de uma forte personalidade e do seu físico pouco convencional, também vestiu em palco a pele de figuras masculinas como Hamlet, de Shakespeare. Cantarutti descreve Sarah como alguém “à frente do seu tempo.”

“Ela dizia que os papéis oferecidos às mulheres não eram interessantes o suficiente e que não podia mostrar todo o seu talento representando-as, por isso fazia papéis masculinos”, conta, dizendo que a atriz “foi mais do que uma atriz famosa.”

E, de facto, a “divina” foi empresária, ícone da moda, escultora, diretora de teatro.

“Ela foi uma das primeiras celebridades. Ela desafiou os limites de género. Ao publicitar-se abriu caminho para muitas, incluindo Marilyn Monroe, Greta Garbo, Madonna, Lady Gaga e Beyoncé.”

A parisiense foi, na verdade, ainda mais coisas. Foi, possivelmente, a primeira mulher a conseguir ‘capitalizar’ a sua fama, participando ativamente em campanhas publicitárias e comercializando produtos exclusivos. A primeira a exigir pagamento antes das sessões fotográficas.

Usava calças quando todas as mulheres estavam proibidas de as usar e manteve publicamente uma relação homossexual com a artista Louise Abbéma.

Ao seu filho, atribuiu-lhe o seu apelido, demarcando o seu estatuto de mãe solteira.

Até escandalizou o mundo inteiro ao alinhar numa viagem de balão de ar quente, tecnologia de ponta em 1978. Voando sob o jardim das Tulherias, com uma espada cortou o pescoço de uma garrafa de champanhe e comeu foie gras, tudo, segundo a própria, para escapar ao “mau cheiro de Paris”.

“Definitivamente entendia o poder da imagem, do marketing e do ‘burburinho’, mesmo quando este era menos lisonjeador”, sublinha Cantarutti.

O ídolo dos ídolos

Com apenas um pulmão e um rim, a atriz sofreu de saúde a vida inteira. No final, quando já estava também só com uma perna — que lhe foi conquistada pela tuberculose — a atriz continuou, até ao fim dos seus dias, a representar.

Sarah Bernhardt morreu a 26 de março de 1923, com 78 anos, na sua Cidade do Amor.

Wikimedia Commons

Retrato por Paul Nadar (1878)

Em 60 anos de carreira, a atriz encantou não só o comum público, mas também grandes personalidades de várias áreas.

Em 1884, o neurologista Sigmund Freud ficou “encantado” com a sua performance no papel de Theodora: “a partir do momento em que ouvi as primeiras falas, pronunciadas na sua vibrante e adorável voz, tive a sensação de que a conhecia há anos.”

Mark Twain escreveu que “Há cinco tipos de atrizes. Más atrizes, razoáveis atrizes, boas atrizes, grandes atrizes e depois há Sarah Bernhardt.”

Para Oscar Wilde, que inclusive escreveu uma peça — Salomé — dedicada a Bernhardt, a atriz é, simplesmente, “A Incomparável”.

Tomás Guimarães, ZAP //

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