O maestro José Atalaya, de 93 anos, que se destacou em programas televisivos e em “concertos informais” de divulgação da música erudita, morreu na passada sexta-feira, disse à agência Lusa fonte próxima da família.
José Atalaya ingressou, em 1951, como assistente musical, na antiga Emissora Nacional, onde colaborou com o compositor Pedro do Prado (1908-1990) e o João da Câmara (1905-1978), e iniciou um percurso de divulgação que se estendeu à RTP e a diferentes palcos nacionais, através de programas como “Quinzenário Musical” e “Semanário Musical”, que manteve durante mais de 15 anos e que, em 1971, em entrevista, considerou um dos seus trabalhos “mais apaixonantes”.
Discípulo de compositores como Luís de Freitas Branco e Joly Braga Santos, José Atalaya defendia a necessidade de “destruir a barreira entre o público e o artista” e de “informalizar os concertos” de música erudita, sugerindo, em plena ditadura e depois dela, que deviam ser assistidos “em mangas de camisa”, numa inspiração próxima nos célebres “Concertos para Jovens”, do maestro e compositor norte-americano Leonard Bernstein.
O velório de José Atalaya realiza-se na quinta-feira, na igreja de Nossa Senhora da Boa-Hora,em Lisboa, entre as 10:00 e as 14:00, seguindo-se o funeral para o cemitério de Barcarena, nos arredores de Lisboa, segundo a mesma fonte da família.
José Atalaya, que nasceu em Lisboa, em 8 de dezembro de 1927, era aluno do Instituto Superior Técnico quando, aos 19 anos, impressionado com o compositor Joly Braga Santos, para o qual o pai lhe chamara a atenção, decidiu dedicar-se à escrita musical, e procurou Luís de Freitas Branco, que marcara a modernidade da música portuguesa, na primeira metade do século XX, e formara as gerações seguintes de compositores, como Fernando Lopes-Graça e Braça Santos.
Atalaya era já um ouvinte assíduo dos programas de Freitas Branco, no antigo canal Programa B e Lisboa 2, da Emissora Nacional, que viria a dar origem à atual Antena 2, da RDP/RTP. De 1947 até 1955, estudou com Freitas Branco, que tinha deixado o Conservatório Nacional, por razões políticas.
A primeira obra de Atalaya, como compositor, inspirou-se no livro “As Mãos e Frutos”, de Eugénio de Andrade (1923-2005).
Com a morte de Luís Freitas Branco, em finais de novembro de 1955, decidiu afastar-se da composição, enveredou pela investigação, em musicologia, e passou a interessar-se pela direção de orquestra.
Retomou o interesse pela composição dez anos mais tarde, fascinado pelo trabalho do compositor francês Pierre Boulez (1925-2016) que entrevistara em Basileia, na Suíça.
Ao longo do seu percurso, entre outras personalidades, Atalaya trabalhou e conviveu com o compositor italiano Pietro Grossi (1917-2002), pioneiro da utilização do computador na música, que fundou em Florença o Estúdio de Fonologia Musical (S2FM) e a associação Vita Musicale Contemporânea.
Grossi aceitou Atalaya entre os seus primeiros discípulos e, no concerto anual de 1968, no Circolo Incontro, incluiu as suas “Variantes Rítmicas”, sobre quatro sons sinusoidais, usualmente apontada como a primeira obra eletrónica de um autor português, que foi estreada em Portugal num concerto da antiga Sociedade Portuguesa de Autores.
Em 1998, Atalaya voltou à música eletroacústica, com a criação do Ensemble Improvisos XXI, com a percussionista Elizabeth Davis, da Sinfónica Portuguesa, ao qual se juntaria mais tarde o compositor e pianista Bruno Belthoise.
Atalaya, um dos fundadores da Juventude Musical Portuguesa, em 1948, frequentou cursos de direção se orquestra com os maestros Félix Prohaska, Hans Swarowsky, Igor Markevich e Piero Bellugi.
Foi o primeiro diretor do Grupo Experimental de Ópera de Câmara, que fundou, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, antes do aparecimento da Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade, em 1966.
A colaboração com a televisão começou em 1956, quando a RTP ainda funcionava na antiga Feira Popular, com a violinista Leonor Prado (1917-2017) e a pianista Nella Maissa (1914-2014). Atalaya manteve a colaboração com a televisão pública até 1974, à qual voltou anos mais tarde, sempre em programas de divulgação.
Em julho 1975, regressou à já designada Radio Difusão Portuguesa (RDP), tendo sido coordenador artístico de três orquestras da instituição.
Em 1977, com Maria João Pires, dirigiu as iniciativas que assinalaram em Portugal os 150 anos da morte de Ludwig van Beethoven, e tornou-se membro do Conselho Nacional da Música. Entre outros cargos, foi diretor titular da Orquestra Sinfónica do Porto, e conselheiro artístico de “Lisboa, Cidade de Música”, uma iniciativa do antigo edil da capital Nuno Krus Abcassis.
Em 1982 criou a iniciativa “Música em Diálogo”, na capital, que em 1986 passou para o município vizinho de Oeiras, onde se manteve até 2009.
Ainda em 1982, fundou a Orquestra Clássica do Porto, a convite do então secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes. Em 1983, publicou o seu primeiro livro, “A Cassete Azul”.
Sob o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura iniciou, em 1994, a antologia discográfica “Cinco Séculos de Música Portuguesa”, tendo publicado cerca de 30 títulos.
Em 1998, com o apoio da Câmara Municipal de Fafe, fundou uma Academia de Música naquela cidade do distrito de Braga, à qual foi dado o seu nome.
// Lusa