Morreu de cancro em 2017, mas as ideias da primeira Nobel da Matemática acabam de ganhar nova vida

(dr) Maryam Mirzakhani / Stanford University

Maryam Mirzakhani, a primeira mulher a ganhar o “Nobel da Matemática”

A iraniana Maryam Mirzakhani transformou o campo da geometria hiperbólica. Mas morreu aos 40 anos antes de conseguir responder a muitas das questões que a interessavam. Duas matemáticas estão agora a retomar o trabalho que a primeira primeira mulher a ganhar o “Nobel da Matemática” deixou.

No início da década de 2000, a iraniana Maryam Mirzakhani, uma jovem estudante de pós-graduação da Universidade de Harvard começou a traçar um universo matemático que desafiou tudo o que se sabia sobre a intuição geométrica.

Mirzakhani começou por debruçar-se em “superfícies hiperbólicas”. Numa superfície deste tipo, as linhas paralelas afastam-se umas das outras em vez de se manterem à mesma distância e, em cada ponto, a superfície curva-se em duas direções opostas, como uma sela.

“Uma superfície hiperbólica é um pouco como um puzzle que se pode montar localmente, mas que nunca se consegue terminar no nosso universo”, explicou à Quanta Magazine, Alex Wright, matemático da Universidade de Michigan e antigo colega de pós-doutoramento de Mirzakhani.

Isto porque cada peça é curvada precisamente na forma de uma sela. Ou seja, é possível encaixar algumas peças, mas nunca de forma a fechar completamente a superfície – pelo menos não no nosso espaço plano e tridimensional. Este facto torna as superfícies hiperbólicas particularmente difíceis de estudar. Mesmo questões básicas sobre elas permanecem em aberto.

Em suma, as superfícies hiperbólicas têm propriedades geométricas tão estranhas que são impossíveis de visualizar.

Mas Mirzakhani revolucionou o universo hiperbólico. Quando ainda estava na pós-graduação, desenvolveu técnicas inovadoras que lhe permitiram começar a catalogar estas formas, antes de revolucionar outras áreas da investigação matemática.

A matemática iraniana queria compreender o aspeto de uma superfície hiperbólica típica; e começou a selecionar superfícies hiperbólicas ao acaso e a estudar as suas propriedades.

Mirzakhani esperava revisitar o seu mapa do reino hiperbólico mais tarde – para preencher detalhes e fazer novas descobertas. Mas, antes de o poder fazer, foi-lhe diagnosticado um cancro da mama. Mirzakhani morreu em 2017, com apenas 40 anos, quando estava já a desenvolver a maquinaria necessária.

Desde então, duas matemáticas pegaram no fio do seu trabalho e transformaram-no numa compreensão ainda mais profunda das superfícies hiperbólicas.

Maryam foi mesmo um génio

Num artigo publicado no arXiv em fevereiro, Nalini Anantharaman, do Collège de France, e Laura Monk, da Universidade de Bristol, basearam-se na investigação de Mirzakhani para provar uma afirmação radical sobre as superfícies hiperbólicas típicas.

O novo estudo mostrou que as superfícies que se pensava serem raras (e até impossíveis), afinal, são comuns – tanto que se escolhêssemos uma superfície hiperbólica ao acaso, seria garantido que ela teria certas propriedades críticas.

O estudo, que ainda não foi revisto por pares, sugere também que as superfícies hiperbólicas são ainda mais estranhas e menos intuitivas do que se imaginava.

Em 2018, apenas um ano após a morte de Mirzakhani, Monk começou seus estudos de pós-graduação com Anantharaman. O seu primeiro passo foi aprender tudo o que podia sobre o trabalho de Mirzakhani em superfícies hiperbólicas.

Monk e Anantharaman precisavam de mostrar que quase todas as superfícies hiperbólicas têm um intervalo espetral de 1/4.

Usando a fórmula limitada de Mirzakhani, Monk e Anantharaman viram uma forma de provar um intervalo espetral relativamente grande. “Parecia quase um milagre”, disse, à Quanta Magazine, Anantharaman.

“Ainda é um mistério para mim o facto de funcionar tão bem”, acrescentou.

De repente, como conta a mesma revista, Anantharaman lembrou-se de um mail que tinha recebido de Mirzakhani alguns anos antes de ela morrer, colocando uma série de questões sobre a relação entre o intervalo espetral e a contagem de geodésicas, que poderiam melhorar a fórmula.

Entretanto, Anantharaman teve uma ideia diferente: recorrer a uma área diferente da matemática, chamada teoria dos grafos, para se inspirar.

No início de 2023, as duas matemáticos escreveram um artigo que descrevia o que tinham feito até então. No ano seguinte, adaptaram os métodos do matemático e especialista nesta matéria Joel Friedman e elaboraram um plano para os utilizar.

E prova ficou, finalmente, concluída em janeiro, demonstrando que uma superfície hiperbólica selecionada aleatoriamente tem provavelmente o intervalo espetral máximo.

O resultado diz aos matemáticos mais sobre superfícies hiperbólicas do que alguma vez souberam – graças a Maryam Mirzakhani.

“Estou triste por ela não o poder ver os resultados deste estudo”, lamentou Wright sobre a primeira mulher a ganhar o “Nobel da Matemática”.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.