Milhares de pessoas saíram à rua em Hong Kong, para pedir mais liberdades políticas e a libertação do ativista chinês Liu Xiaobo, no dia do vigésimo aniversário da transição da antiga colónia britânica para a China.
A Civil Human Rigthts Front [Frente Civil dos Direitos Humanos], que todos os anos organiza o protesto de 1 de julho, estimou o número de participantes em mais de 60 mil, enquanto a polícia referiu 14.500, segundo a imprensa local.
Os números foram inferiores aos do ano passado, com a organização a estimar cerca de 110 mil participantes e a polícia 19.300.
A marcha saiu do Parque Vitória em direção ao Conselho Legislativo (LegCo, o parlamento) pelas 15h00 (08h00 em Lisboa), já depois de o Presidente chinês, Xi Jinping, ter deixado a cidade, no final de uma visita de três dias, marcada por detenções de ativistas em protestos e pela advertência de que não será tolerada qualquer ameaça contra o poder de Pequim.
“Penso que todos os que vieram à manifestação vieram porque pensam que este ano é muito especial: são os 20 anos desde a transição“, disse à agência Lusa Au Nok-hin, da Frente Civil dos Direitos Humanos, a entidade que organiza a manifestação.
“Há muitos problemas por resolver por parte do Governo de Hong Kong”, acrescentou o também membro do Partido Democrata.
Nesse sentido, Au Nok-hin criticou as declarações do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, que na sexta-feira disse que a Declaração Conjunta sino-britânica – assinada em 1984 e na qual assenta o princípio “Um país, dois sistemas” e ao abrigo do qual foi realizada a transição de Hong Kong para a China em 1997 -, “é um documento histórico e não tem qualquer significado prático“.
O mesmo responsável disse que esperava que o Governo central reconsiderasse as declarações daquele ministério.
“Muitos de nós estão preocupados com o futuro de Hong Kong, sobretudo com as recentes limitações à liberdade de reunião“, acrescentou, em alusão às restrições impostas pela polícia para os protestos dos ativistas durante a visita de Xi Jinping à cidade.
No protesto marcaram também presença os ativistas que esta manhã foram detidos pela polícia, incluindo o rosto dos protestos pró-democracia de 2014, o jovem Joshua Wong e o deputado conhecido como ‘Cabelo Comprido’.
Este ano, os manifestantes viram reduzido o espaço que anualmente lhes é atribuído no Parque Vitória, de onde parte a tradicional marcha pró-democracia, uma vez que grande parte da área estava reservada a uma exposição promovida por uma coligação de grupos de cerca de 40 grupos pró-Pequim (Hong Kong Celebrations Association).
Antes de iniciarem a marcha pelas ruas, no palco montado sobre o relvado do parque, vários ativistas usaram da palavra, incluindo Lam Wing-kee, um dos cinco livreiros que em 2015 desapareceram em condições misteriosas para reaparecerem, mais tarde, detidos na China e a confessarem crimes através da televisão estatal chinesa.
Lam Wing-kee pediu a libertação de Liu Xiaobo e apelou aos manifestantes para não desistirem de lutar pela democracia.
Liu Xiaobo, de 61 anos, que em 2010 foi distinguido com o prémio Nobel da Paz por promover a reforma política da China, viu esta semana ser-lhe concedida liberdade condicional depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro no fígado em fase terminal.
O ativista foi condenado em 2009 a 11 anos de reclusão por subversão.
O protesto decorreu de forma pacífica, sob calor intenso e alguns períodos debaixo de chuva intensa, com os manifestantes a percorrerem cerca de três quilómetros entre o Parque Vitória do LegCo, durante mais de três horas.
Os manifestantes reclamaram também uma ação legal contra o ex-chefe do executivo CY Leung, por pagamentos recebidos da empresa de engenharia australiana UGL enquanto líder da cidade, o desenvolvimento sustentável da cidade, a defesa dos direitos dos homossexuais e da diversidade étnica.
O protesto, dominado por guarda-chuvas amarelos e outros símbolos pró-democracia, contou com defensores pró-independência da cidade, que apareceram em alguns cruzamentos por onde a marcha passava com bandeiras a remeter para os tempos da colónia britânica.
A chuva acabou por levar a organização a cancelar uma concentração prevista no Tamar Park, onde estão situados o LegCo e a sede do Governo do território.
As manifestações são realizadas anualmente desde 1 de julho de 1997 e atingiram uma dimensão significativa desde 2003, quando meio milhão de pessoas saiu em protesto contra o plano do governo de regulamentar o artigo 23.º da Lei Básica, que prevê punir crimes de traição à pátria, secessão e subversão.
// Lusa