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Milagre ibérico espanta Europa: Espanha e Portugal são agora o motor da economia da zona euro

ZAP // Depositphotos; Pixabay

Face ao fracasso do eixo franco-alemão, Espanha e Portugal foram responsáveis por 50% do crescimento da zona euro no último trimestre. Mas o JP Morgan considera que esta dinâmica não é sustentável: se a Alemanha e a França não começarem a contribuir, a Europa aproximar-se-á da recessão.

Provavelmente, nunca antes a Península Ibérica foi tão importante para manter a economia do euro a funcionar.

Entre si, as duas economias ibéricas representam apenas 13% do PIB da zona euro, mas Portugal e Espanha foram responsáveis por 50% de todo o crescimento do euro no último trimestre.

Além disso, salienta o jornal espanhol El Economista numa análise publicada esta quarta-feira, se a Península Ibérica for excluída da equação, o crescimento trimestral da zona euro no último trimestre teria sido negativo — teria havido uma contração do PIB — e o crescimento anual teria caído para metade.

A Espanha, sozinha, foi responsável por um terço de todo o crescimento da zona euro no último trimestre.

No entanto, a situação não é sustentável a longo prazo, alerta o banco de investimentos JP Morgan num relatório recente, citado pelo El Economista: Espanha e Portugal não conseguem sustentar este “milagre económico” indefinidamente.

Um olhar sobre as redes sociais e os relatórios dos principais analistas económicos mostra que Espanha e Portugal correspondem a um milagre ibérico que é produto de múltiplos fatores (incluindo a sorte), mas que não deixa de ser surpreendente, nota o El Economista.

Num post publicado no seu perfil no X/Twitter, Ángel Talavera, economista-chefe da Oxford Economics, mostrou na semana passada um gráfico esclarecedor, com a frase “O caso de Espanha e Portugal“, que mostra a evolução do crescimento das principais economias europeias — e a média da zona euro.

E o caso da Alemanha…“, nota um utilizador num comentário ao post de Talavera.

 

Momento excecional das economias do Sul da Europa

As economias de Espanha e Portugal lideraram o crescimento do PIB no último trimestre de 2024. Os dois países da Península Ibérica foram os que mais cresceram em termos trimestrais: Espanha registou uma expansão de 0,8% e Portugal de 1,5%. Em termos homólogos, Espanha cresceu 3,5% e Portugal 2,7%.

O bom momento das economias ibéricas impediu que a zona euro registasse uma contração do PIB nesse período. Sem o contributo da Espanha e Portugal para o crescimento trimestral, a economia da zona euro teria registado uma contração de quase 0,1%  — o contributo positivo que os dois países deram ao PIB trimestral.

Numa base anual, este impulso é ainda mais claro. A zona euro registou um crescimento de 0,9%. Desses 0,9%, Espanha e Portugal representam 0,43 pontos percentuais: Espanha contribuiu com 0,3815 e Portugal com 0,0459 pontos.

Por outras palavras, a Península Ibérica é responsável por quase 50% do crescimento total da zona euro, apesar de a economia espanhola representar 10,9% do PIB do euro e a portuguesa pouco mais de 1,7%.

Ambos os países estão a atravessar um ciclo de expansão das suas economias, com um crescimento demográfico notável, criação de emprego e usufruindo das novas preferências de consumo a nível mundial, que privilegiam os serviços produzidos em massa tanto por Espanha como por Portugal.

Prova disso é a taxa de desemprego, que em ambas as economias regista uma clara tendência decrescente, apesar do crescimento da população — sobretudo estrangeira.

Isto significa que a Península Ibérica está a crescer suficientemente depressa, tal como a procura dos bens e serviços que produzem, para absorver um grande número de trabalhadores.

No caso de Portugal, a taxa de desemprego é de 6,4%, enquanto em Espanha se situa nos 10,61%, uma taxa que, à primeira vista, parece elevada, mas que, para os padrões espanhóis, é “perigosamente” baixa — está muito abaixo da taxa de desemprego não inflacionista).

Assim os dois países do Sul da Europa, outrora o grande problema do euro, tornaram-se agora os cavalos que puxam uma carroça muito pesada, carregada pelos “gigantes” em declínio da Alemanha, França e Itália.

A recuperação destes gigantes é essencial para que a economia do euro possa crescer de forma sustentável e diversificada, ao contrário do que acontece atualmente, salienta o El Economista: o crescimento está altamente concentrado em dois países que representam apenas 13% da economia da zona euro.

O JP Morgan faz também eco desta anomalia, sobretudo no caso da Espanha (pela sua dimensão, mais relevante para o PIB agregado da zona euro): o crescimento de um único país contribuir de forma tão significativa para o PIB do euro.

Segundo o banco de investimentos, esta anomalia levanta preocupações acerca do que poderá acontecer no futuro se Espanha começar a perder força.

A Espanha sozinha não pode fazer muito, dada a sua dimensão na zona euro. E há riscos de queda significativos se os países-chave — Alemanha, França — tiverem um desempenho ainda pior do que já antecipámos nas nossas previsões, com o possível impacto de um segundo mandato de Trump como uma preocupação relevante”, observa o JP Morgan.

Razões para o milagre

Muito se tem falado sobre as razões deste crescimento notável em Espanha e Portugal. Ambas as economias estão orientadas para os serviços, e por isso menos expostas à atual fraqueza da indústria transformadora no resto da zona euro.

Além disso, ambos os países têm grandes sectores de turismo e foram importantes beneficiários da recuperação pós-pandemia das viagens internacionais.

Além disso, os fluxos migratórios líquidos também aumentaram, nos dois países, alimentando um forte crescimento demográfico.

Por último, o mercado comum ibérico da energia, com a sua grande quota de energias renováveis e pequena dependência do gás russo, atenuou o aumento dos custos energéticos. A chamada exceção ibérica também ajudou durante o pico da crise energética.

ligeiras diferenças entre os dois países: o aumento do consumo e o investimento têm sido os motores em Portugal, enquanto a Espanha tem dependido mais da despesa pública e das exportações líquidas.

A grande questão que se coloca agora é saber se a dinâmica que estes fatores permitiram até agora se irá manter — e tudo indica que sim.

Esperamos que 2025 seja outro ano forte para as economias espanhola e portuguesa, consolidando a posição da Península Ibérica como um claro líder numa economia da zona euro em dificuldades”, prevê Ricardo Amaro, economista da Oxford Economics, num relatório recente sobre o forte desempenho de ambos os países.

O forte crescimento das receitas e a recuperação esperada na aplicação do PRR, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE, reforçam ainda mais o otimismo em relação a 2025 e aos anos seguintes, afirma Amaro.

A Oxford Economics estima que o rendimento disponível das famílias espanholas tenha aumentado 5% em 2024, em termos reais, pelo segundo ano consecutivo. O crescimento do rendimento foi ainda mais forte em Portugal: 7%, salienta o gabinete de estudos britânico.

“A existência de uma grande reserva de poupança, a melhoria da confiança e a descida das taxas de juro irão apoiar as perspetivas dos consumidores de ambos os lados da Península Ibérica”, conclui Amaro.

O facto de um crescimento global modesto limitar as perspetivas de exportação, acrescenta o economista, significa que as despesas de consumo e o investimento continuarão a ser os principais motores do crescimento em Portugal, enquanto o crescimento espanhol também se centrará mais no mercado interno.

Outro ponto em que assenta o otimismo Oxford Economics é o facto de Espanha e Portugal terem reduzido algumas vulnerabilidades macrofinanceiras de longa data ao longo da última década.

Os grandes défices da balança de transações correntes que eram típicos nos anos 2000 transformaram-se agora em excedentes, observa Amaro. “Não só o boom das exportações de turismo, mas também outras exportações que mostraram um dinamismo notável durante este período, incluindo alguns serviços de maior valor acrescentado, como a informação e tecnologia, e atividades técnicas”.

Os números corroboram esta trajetória: os recentes excedentes da balança corrente reduziram as dívidas externas líquidas de ambos os países para cerca de 50% do PIB no terceiro trimestre de 2024, cerca de metade do valor de há uma década.

Prevê-se que Espanha e Portugal continuem a crescer acima da média da área do euro nos próximos anos. Num relatório publicado em setembro, a AXA IM considerava ser “provável que a Espanha continue a registar resultados estelares em 2025”.

No entanto, salienta o relatório do grupo de investimentos, parece improvável que os ibéricos consigam manter taxas de crescimento tão elevadas durante um longo período de tempo.

O que significa isto? Se a Alemanha, a França ou a Itália não começarem a contribuir para o PIB da zona euro, uma recessão é apenas uma questão de tempo.

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