Médicos do século XIX usavam leite para transfusões

(CC0/PD) Wikimedia

“A transfusão de sangue – que a operação seja um sucesso!”, de Joseph Keppler.

Durante o século XIX, médicos chegaram a usar leite para fazer transfusões, uma prática que consideravam ser mais segura do que transfusões de sangue.

Se tivesse que adivinhar para o que é que os médicos usavam leite em meados do século XIX, talvez nunca diria que a substância seria usada para transfusões. Isso, no entanto, é exatamente o que alguns profissionais da saúde faziam. Embora a atividade não tenha sido realizada por muito tempo, teve uma certa popularidade após funcionar em alguns pacientes.

E não foi por falta de tentativas de transfusões sanguíneas, que vinham a ser testadas durante séculos, mas demoraram a tornar-se uma prática medicinal comum.

O problema é que, por não sabermos acerca dos tipos sanguíneos na altura, coagulações e mortes eram comuns, tornando o tratamento muito mais perigoso do que benéfico.

Alguns invasores espanhóis relataram ter visto os incas do Peru a realizarem transfusões de sangue durante as suas expedições, mas as evidências são parcas. De qualquer forma, entre os séculos XVI e XVII, os primeiros procedimentos do tipo foram feitos, com William Harvey a descrever a circulação sanguínea em 1616 e experiências europeias a começarem a ser realizadas por todo o continente.

O médico e cirurgião Richard Lower realizou, na Royal Society de Londres, em 1666, a transfusão de sangue entre dois cães, utilizando uma pena de ganso para conectar a artéria de um animal à veia jugular do outro. Já em 1667, o médico francês Jean-Baptiste Denys realizou a primeira transfusão documentada de sangue entre um animal e um ser humano.

O paciente era um adolescente que perdeu muito sangue através de sangrias para o tratamento de uma febre. Como seria de se imaginar, o jovem ficou fraco, e Denys prontamente transferiu o sangue da carótida de um cordeiro para as veias do rapaz, que melhorou e sobreviveu, ao contrário do animal.

Naquele tempo, acreditava-se que a transfusão de sangue não apenas melhorava a saúde do indivíduo e curava doenças, mas também mudava a sua personalidade e tratava a loucura. Como na maioria das vezes o paciente ainda acabava por morrer, o edito de Châtelet, de 1668, baniu a prática, que ficou na obscuridade por quase 150 anos.

A prática voltou ao rol de atividades médicas no início do século XIX, quando o obstetra James Blundell realizou uma transfusão com uma seringa contendo sangue desfibrinado — ou seja, sem fibrina, que ajuda na coagulação — para evitar que o líquido coagulasse na paciente.

Embora tenha obtido melhores resultados do que tentativas anteriores, muitos pacientes ainda morriam e o procedimento não se manteve.

Nem sempre foi sangue

Em meados do século XIX, surgiu uma mirabolante ideia — porque não fazer transfusões de leite? Em 1854, a resposta à pergunta chegou, com os médicos James Bovell e Edwin Hodder a injetarem o líquido em pacientes de cólera durante uma epidemia em Toronto.

A ideia inspirou-se em Denys, que também tinha feito transfusões de leite para o corpo de animais, acreditando que “pequenos óleos e partículas de gordura” transformar-se-iam em “corpúsculos brancos do sangue”.

Os médicos responsáveis ainda acreditavam que o leite ajudaria a regenerar os glóbulos brancos, e, surpreendentemente, o primeiro paciente a receber a substância sobreviveu e o seu estado de saúde melhorou.

Os cinco seguintes, no entanto, morreram. Mesmo assim, o tratamento popularizou-se, sendo visto como uma alternativa segura e legítima à transfusão sanguínea. Alguns cirurgiões, no entanto, seguiram céticos, e, ao longo do tempo, a prática foi caindo em desuso e descrédito.

Nos anos 1880, infusões salinas substituíram o leite, e, após Karl Landsteiner descobrir os três primeiros tipos sanguíneos, na viragem do século, a transfusão de sangue finalmente ganhou tração.

Atualmente, milhões de pessoas recebem a substância todos os anos, com mais de 118,5 milhões de doações de sangue a serem recolhidas por todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Atualmente, pacientes que foram feridos gravemente, passaram por cirurgias ou deram à luz recebem sangue como parte normal dos procedimentos médicos, e o líquido também é usado no tratamento de condições como falência renal, hemofilia e cancro.

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