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Veneno ou cura? Na medicina tradicional chinesa, o contexto pode fazer toda a diferença

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A medicina tradicional chinesa mostra como é possível usar venenos para tratar doenças. No entanto, o contexto em que são usados é crucial para a sua eficácia.

Hoje, os venenos evocam noções de dano e perigo — o oposto de medicamentos para a cura. No entanto, a medicina tradicional chinesa, que está em prática há mais de dois milénios, usava um grande número de venenos para tratar uma variedade de doenças.

Os médicos chineses sabiam que o que torna um medicamento terapêutico não é apenas o seu ingrediente ativo — depende de como é usado.

Os investigadores biomédicos céticos quanto à segurança e eficácia da medicina tradicional chinesa podem não se surpreender com o facto de os médicos chineses prescreverem historicamente venenos. Alguns acreditam que os medicamentos usados na medicina tradicional chinesa normalmente contêm ingredientes tóxicos ocultos prejudiciais à saúde.

Mas esta fronteira ténue entre o veneno e o medicamento não é exclusiva da medicina tradicional chinesa. A quimioterapia usa medicamentos tóxicos para tratar o cancro. E a epidemia de opioides nos Estados Unidos reflete como uma classe de medicamentos aprovados pela FDA, usados para tratar a dor crónica, tornou-se um veneno letal devido à administração inadequada.

Por outro lado, certos psicadélicos considerados ilegais despertaram hoje um novo interesse na comunidade médica como tratamentos potenciais para ansiedade, dependência e depressão.

No livro “Healing with Poisons”, Yan Liu examinou o uso terapêutico de venenos na medicina chinesa. Com base na sua investigação, o autor acredita que os médicos chineses no passado reconheceram a capacidade de cura dos venenos embora estivessem totalmente cientes do seu potencial de matar. A compreensão desta prática obriga a biomedicina moderna a reconsiderar como a “medicina” é hoje definida.

O que é um ingrediente ativo?

O debate sobre a segurança e eficácia da medicina tradicional chinesa geralmente concentra-se no ingrediente ativo de um medicamento.

A US Food and Drug Administration define um ingrediente ativo como “qualquer componente que forneça atividade farmacológica ou outro efeito direto no diagnóstico, cura, mitigação, tratamento ou prevenção de doenças, ou que afete a estrutura ou qualquer função do corpo humano ou animal”.

Por outras palavras, o ingrediente ativo é uma substância química específica considerada como constituinte da essência de um medicamento. Por ter a responsabilidade de curar uma doença-alvo, é usado para avaliar a utilidade de um medicamento na indústria farmacêutica moderna.

É importante identificar os ingredientes ativos na descoberta de medicamentos, incluindo os da medicina tradicional chinesa. O cientista Tu Youyou ganhou o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2015 por isolar o medicamento contra a malária artemisinina de uma erva usada na medicina tradicional chinesa.

Na mesma linha, o investigador médico Zhang Tingdong e a sua equipa identificaram o trióxido de arsénio como um tratamento eficaz para a leucemia ao estudar fórmulas de medicamentos na medicina tradicional chinesa.

Apesar destas histórias de sucesso, reduzir um medicamento a uma única molécula é bastante limitado. Esta abordagem redutora ignora o contexto em que um medicamento é usado, que desempenha um papel crucial nos seus efeitos finais.

O contexto importa

No passado, os médicos chineses não procuravam um ingrediente ativo que definisse a utilidade de uma determinada substância. Em vez disso, consideravam o efeito de cada medicamento altamente maleável. Nenhum exemplo melhor ilustra essa maneira de pensar do que o uso médico de venenos.

Os médicos na China sabiam muito bem como é que o efeito de um veneno variava muito, dependendo de como era preparado e administrado. Assim, eles desenvolveram uma variedade de métodos — como controlo de dosagem, mistura com outros ingredientes e outras técnicas de processamento — para mitigar a potência de um veneno, mas ainda preservar a sua eficácia.

Os médicos chineses também sabiam que os venenos atuam de maneira diferente de pessoa para pessoa. O mesmo medicamento pode ter efeitos diferentes dependendo do sexo, idade, ambiente, estado emocional e estilo de vida do paciente. Por exemplo, o médico do século VII Sun Simiao dava remédios específicos para mulheres e idosos.

Usar um veneno fora da sua prescrição costumava ser mortal. Por exemplo, o pó de cinco pedras, ou “Wushi San”, uma droga psicadélica que contém arsénio, foi um dos medicamentos mais populares na China medieval.

Apesar da recomendação médica de que seja usado apenas como último recurso para tratar emergências, muitos na época consumiam-no regularmente para revigorar o corpo e iluminar a mente. Sem surpresa, esse uso indevido levou a várias mortes. Indo além do seu uso restrito, um veneno pode matar facilmente.

Para lá do ingrediente ativo

O paradoxo da cura com venenos na medicina tradicional chinesa revela uma mensagem chave: não existe um núcleo essencial, absoluto ou imutável que caracterize um medicamento. Em vez disso, o efeito de qualquer medicamento é sempre relacional — depende de como a droga é usada, de como ela interage com um corpo específico e dos seus efeitos pretendidos.

Os medicamentos são substâncias fluidas que desafiam a categorização estável. Olhar além do padrão biomédico do ingrediente ativo pode ajudar os médicos e investigadores a prestar mais atenção ao contexto de como os medicamentos são usados.

Em última análise, um medicamento é mais do que o seu ingrediente ativo. Os venenos na medicina tradicional chinesa ensinam uma lição convincente.

7 Comments

    • Só procura esse meio de tratamento, quem quer !……Depois se corre mal o SNS cá está para para solucionar. Quanto a tipos de vigarices, sempre houve , há e haverá sempre. Só cai quem quer !

      • Não é assim tão simples… em 2021, com Calcitrin’s do Goucha, missas na RTP, horóscopos nas revistas, cartomantes, “mágicos” dos reiks, agulhas, etc nas TV’s , bruxos no futebol, políticos enviados por Deus, etc, etc, não é difícil os mais “distraídos” serem influenciados…

    • uma medicina de mais de 4000 anos vigarice? Precisamos ler mais ,precisamos nos informar mais e tambem deixar de preconceitos bobos , politicos ,na certa. A OMS já aprovou a MEDICINA TRADICIONAL CHINESA , que alias, nem precisa de aprovação. É só ver quantos medicos ocidentais já fizem pós em MTC……que ingenuidade

      • Hahahaaaa… a TMC é tão boa que os chineses endinheirados, mal tem uma “dor de barriga”, vão a correr para a Europa ou para os EUA para serem salvos pela medicina a sério!

    • A vigarice tradicional chinesa, como ignorantemente apelidas, é mais antiga do que muitos países como por exemplo os E.U.A. etc…Talvez consigas perceber a ignorância do teu comentário com um simples pensamento…
      Medicina Tradicional Chinesa – Milenar (uso comprovado à mais de 1000 anos)
      China – País mais populoso do mundo

      Enfim

      • Enfim… mais um crente…
        A “vigarice tradicional chinesa” é mais antiga do que os EUA?!
        Hahahahaaa… claro que é – até os CTT são 250 anos mais antigos do que os EUA!!
        Mas interessante mesmo é ver os chineses com dinheiro a vir a correr ao Ocidente para recorrer à medicina a sério – aquela sem espíritos e/ou magias – e um dos países que eles mais escolhem para isso são precisamente os EUA!!
        Quando estiveres doente trata-te com meditação, agulhas, reiki’s, etc, e depois anda cá mostrar esse resultado “comprovado”…

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