Matar animais selvagens por “misericórdia”: um ato condenável ou de piedade?

James T. M. Towill

Freya, a morsa que foi morta em Oslo.

Dois animais selvagens que se afastaram dos seus habitats comuns e se aproximaram de humanos foram recentemente mortos em casos de grande repercussão.

A vida de Freya, a morsa, foi terminada por autoridades em Oslo no dia 14 de agosto de 2022, supostamente porque o animal representava uma ameaça para os seres humanos. Quatro dias antes, a vida de uma beluga que se tinha perdido no rio Sena, em França, terminou durante uma tentativa fracassada de resgate.

Muitas pessoas seguiram o paradeiro desses animais, preocuparam-se com o seu bem-estar e ficaram chocadas e tristes com as suas mortes. Uma campanha privada de angariação de fundos foi criada para erguer uma estátua de Freya em Oslo, com os seus criadores a argumentar que a morsa não deveria ter sido morta.

Embora as decisões de acabar com a vida da baleia-branca e da morsa Freya tenham sido baseadas em fatores diferentes, ambas acabam por expor a natureza contestada da eutanásia animal, que é muitas vezes referida como “morte por misericórdia”.

As divergências públicas sobre quando é que os animais devem ser mortos refletem a diversidade de visões da sociedade sobre como devemos tratar os animais. Tendemos a tratar os animais selvagens de forma diferente dos animais domésticos, por exemplo.

Estas diferenças são reflexo dos diferentes vínculos formados entre humanos e animais em diferentes contextos. Mas também refletem as três diferentes perspetivas que os humanos assumem sobre o valor moral dos animais.

Primeiro, os animais podem ser reconhecidos pelo seu valor instrumental. Nessa perspetiva, os animais são valorizados como fonte de companhia, produtos de origem animal ou conhecimento adquirido através de estudos. Vistos como meros instrumentos, essa perspetiva permite usar, manter e matar animais em benefício dos humanos.

Em segundo lugar, os animais podem ser valorizados por si mesmos, por exemplo, por causa da capacidade de serem sencientes. Nesta perspetiva, o valor moral de um animal não depende da sua utilidade para os humanos, mas é intrínseco ao animal.

Isto significa que os humanos devem respeitar o animal, incluindo o seu bem-estar e integridade. Usar, manter ou matar animais, consequentemente, não é permitido por esta perspetiva, a menos que haja fortes argumentos para justificar essas ações.

Por fim, os animais podem ser reconhecidos como moralmente iguais aos humanos. Isto concede aos animais os direitos que os humanos têm. Esta perspetiva significa que os animais não devem ser usados, mantidos ou mortos para interesses humanos em nenhuma circunstância.

Embora haja uma tendência em muitas sociedades de reconhecer o valor moral dos animais na lei, ainda não há consenso sobre como exatamente devemos tratar os animais. Isto explica parte da discussão atual.

Pôr fim a uma vida

Se ou quando os próprios animais têm interesse na continuação ou no fim das suas vidas é assunto de um debate contínuo.

Os animais são cada vez mais reconhecidos como “seres sencientes”. Muitos são entendidos como possuindo a capacidade de avaliar as ações dos outros, de lembrar algumas das suas próprias ações e consequências, avaliar riscos, ter sentimentos e ter algum grau de consciência.

Apesar deste ponto de partida, permanecem desafios para decidir quando terminar a vida de um animal. Como na maioria dos casos os humanos não podem comunicar com os animais, temos que confiar na veterinária, no comportamento animal e na ciência do bem-estar animal para determinar se é do interesse de um animal terminar ou continuar com a sua vida.

Portanto, é vital que especialistas em espécies específicas estejam envolvidos quando as decisões são tomadas para acabar com a vida de um animal. Eles estão em melhor posição para avaliar os interesses do animal, com base na sua qualidade de vida e no sofrimento que pode estar a enfrentar.

No entanto, as atitudes em relação à eutanásia animal são fluidas. Freya e a beluga mostram que quando os animais cruzam contextos, neste caso da vida selvagem para as áreas urbanas humanas, as visões sobre como tratá-los podem mudar drasticamente.

Os interesses humanos estão frequentemente em jogo quando a vida de um animal termina. Esses interesses podem ser diversos, incluindo considerações emocionais, financeiras e sociais. Eles podem influenciar a decisão final de acabar com a vida do animal, ou a quantidade de tempo e dinheiro que podemos estar dispostos a gastar em potenciais alternativas.

Equilibrar interesses

Quando os interesses dos humanos e os interesses presumidos de um animal são identificados, os interesses em jogo são equilibrados para se chegar a uma decisão final. Em muitos casos, os interesses são conflituosos. As decisões são ainda mais complicadas quando o público pesa, pois é provável que subscrevam diferentes perspetivas sobre o valor moral dos animais.

Nesses casos, não há respostas fáceis. O que aprendemos com os casos recentes é que a tomada de decisões ad hoc adiciona ainda mais complexidade, oferece pouco espaço para reflexão e deixa o público em geral confuso e, em alguns casos, indignado.

Casos mais comparáveis vão surgir no futuro. Uma discussão aberta sobre as diferentes estratégias de fim de vida para os animais e os diferentes interesses dos envolvidos pode ajudar a reduzir essa confusão e indignação no futuro.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.