A maior simulação cosmológica de sempre não eliminou as tensões do Universo

Uma equipa internacional de astrónomos levou a cabo o que se crê ser a maior simulação cosmológica computorizada de sempre, rastreando não só a matéria escura, mas também a matéria normal (como planetas, estrelas e galáxias), dando-nos um vislumbre de como o nosso Universo poderá ter evoluído.

As simulações do projeto FLAMINGO (Full-hydro Large-scale structure simulations with All-sky Mapping for the Interpretation of Next Generation Observations) calculam a evolução de todos os componentes do Universo – matéria comum, matéria escura e energia escura – de acordo com as leis da física.

À medida que a simulação avança, surgem galáxias virtuais e enxames virtuais de galáxias.

Foram publicados três artigos na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society: o primeiro descreve os métodos, outro apresenta as simulações e o terceiro examina a forma como as simulações reproduzem a estrutura em grande escala do Universo.

Equipamentos como o Telescópio Espacial Euclid, recentemente lançado pela ESA, e o JWST da NASA recolhem quantidades impressionantes de dados sobre galáxias, quasares e estrelas.

Simulações como o FLAMINGO desempenham um papel fundamental na interpretação científica dos dados, ligando as previsões das teorias do nosso Universo aos dados observados.

De acordo com a teoria, as propriedades de todo o nosso Universo são definidas por alguns números chamados “parâmetros cosmológicos” (seis na versão mais simples da teoria). Os valores destes parâmetros podem ser medidos com grande exatidão de várias formas.

Josh Borrow, equipa FLAMINGO e Consórcio Virgo

A imagem de fundo mostra a distribuição atual da matéria numa “fatia” da maior simulação FLAMINGO, que é um volume cúbico com 2,8 Gpc (9,1 mil milhões de anos-luz) de lado. A luminosidade da imagem de fundo indica a distribuição atual da matéria escura, enquanto a cor indica a distribuição dos neutrinos. As inserções mostram três ampliações consecutivas centradas no enxame de galáxias mais massivo; por ordem, mostram a temperatura do gás, a densidade da matéria escura e uma observação virtual de raios X (da Figura 1 de Schaye et al. 2023).

Um desses métodos baseia-se nas propriedades da radiação cósmica de fundo, um brilho ténue de fundo deixado pelo Universo primitivo. No entanto, estes valores não coincidem com os medidos por outras técnicas que se baseiam na forma como a força gravitacional das galáxias dobra a luz (efeito de lente).

Estas “tensões” poderão assinalar o fim do modelo padrão da cosmologia – o modelo da matéria escura fria.

As simulações em computador podem ser capazes de revelar a causa destas tensões porque podem informar os cientistas sobre possíveis enviesamentos (erros sistemáticos) nas medições. Se nenhum destes erros for suficiente para explicar as tensões, a teoria estará em sérios problemas.

Até agora, as simulações computacionais utilizadas para comparar com as observações apenas seguem a matéria escura fria.

“Embora a matéria negra domine a gravidade, a contribuição da matéria vulgar já não pode ser negligenciada, uma vez que essa contribuição pode ser semelhante aos desvios entre os modelos e as observações”, diz o líder do estudo, Joop Schaye, investigador da Universidade de Leide.

Os primeiros resultados mostram que tanto os neutrinos como a matéria comum são essenciais para fazer previsões exatas, mas não eliminam as tensões entre as diferentes observações cosmológicas.

As simulações que também seguem a matéria comum (ou bariónica) são muito mais difíceis e requerem muito mais poder de computação. Isto porque a matéria comum – que constitui apenas 16% de toda a matéria do Universo – sente não só a gravidade, mas também a pressão do gás, o que pode fazer com que a matéria seja expelida das galáxias para o espaço intergaláctico por buracos negros ativos e supernovas.

A força destes ventos intergalácticos depende de explosões no meio interestelar e é muito difícil de prever. Além disso, a contribuição dos neutrinos, partículas subatómicas de massa muito pequena, mas não conhecida com precisão, é também importante, mas o seu movimento ainda não foi simulado.

Os astrónomos completaram uma série de simulações em computador que acompanham a formação de estruturas na matéria escura, na matéria normal e nos neutrinos.

O estudante de doutoramento Roi Kugel, da Universidade de Leiden, explica: “O efeito dos ventos galácticos foi calibrado usando aprendizagem de máquina, comparando as previsões de muitas simulações diferentes de volumes relativamente pequenos com as massas observadas das galáxias e a distribuição do gás nos enxames de galáxias”.

Os investigadores simularam o modelo que melhor descreve as observações de calibração com um supercomputador em diferentes volumes cósmicos e a diferentes resoluções. Além disso, variaram os parâmetros do modelo, incluindo a força dos ventos galácticos, a massa dos neutrinos e os parâmetros cosmológicos em simulações de volumes ligeiramente mais pequenos, mas ainda assim grandes.

A maior simulação utiliza 300 mil milhões de elementos de resolução (partículas com a massa de uma pequena galáxia) num volume cúbico com arestas de dez mil milhões de anos-luz.

Pensa-se que esta é a maior simulação cosmológica computorizada com matéria comum alguma vez efetuada. Matthieu Schaller (Universidade de Leiden): “Para tornar esta simulação possível, desenvolvemos um novo código, SWIFT, que distribui eficientemente o trabalho computacional por 30 mil CPUs”.

As simulações FLAMINGO abrem uma nova janela virtual para o Universo que ajudará a tirar o máximo partido das observações cosmológicas. Além disso, a grande quantidade de dados (virtuais) cria oportunidades para fazer novas descobertas teóricas e testar novas técnicas de análise de dados, incluindo a aprendizagem de máquina.

Utilizando a aprendizagem de máquina, os astrónomos podem então fazer previsões para universos virtuais aleatórios. Comparando-as com observações de estruturas em grande escala, podem medir os valores dos parâmetros cosmológicos.

Além disso, podem medir as incertezas correspondentes, comparando-as com observações que limitam o efeito dos ventos galácticos.

// CCVAlg

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