Memória de trabalho, que retém e manipula informações durante a resolução de problemas, é a mais afetada. Mesmo os grandes consumidores que não tinham consumido recentemente apresentaram função cognitiva inferior.
O consumo excessivo de canábis a longo prazo pode afetar negativamente a memória de trabalho, mesmo quando quem a consome não esteja sob a influência da planta.
Estas são as conclusões de um grande estudo de imagiologia cerebral, o maior deste género alguma vez realizado, que analisou exames cerebrais de 1003 participantes com idades compreendidas entre os 22 e os 36 anos, entre 2010 e 2015.
A investigação da Universidade de Washington sugere que os consumidores abusivos de canábis apresentam uma atividade reduzida em regiões cerebrais chave associadas à cognição, o que resulta num pior desempenho em tarefas de memória.
Os participantes do estudo publicado esta terça-feira na JAMA Network Open foram classificados em três grupos: utilizadores frequentes (os que consumiram canábis mais de 1000 vezes na sua vida), utilizadores moderados (entre 11 e 1000 vezes) e não utilizadores (10 vezes ou menos). Todos os participantes forneceram amostras de urina no dia do teste para determinar o consumo recente de canábis.
Os voluntários foram submetidos a uma série de testes cognitivos que visavam sete domínios-chave, nomeadamente a memória, a tomada de decisões, as capacidades motoras e o processamento emocional. As diferenças mais significativas foram observadas na memória de trabalho — a capacidade de reter e manipular informações durante a resolução de problemas.
Os resultados mostraram que 63% dos consumidores abusivos de canábis e 68% dos consumidores recentes apresentavam uma atividade cerebral reduzida em áreas responsáveis pela cognição, nomeadamente o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex pré-frontal dorsomedial e a ínsula anterior, segundo o IFL Science.
Estas regiões são ricas em receptores canabinóides 1 (CB1), que se ligam ao THC, o componente psicoativo da canábis. Estudos anteriores demonstraram que a exposição frequente ao THC pode diminuir a densidade e a sensibilidade dos receptores CB1, conduzindo potencialmente a deficiências cognitivas.
O estudo concluiu que mesmo os grandes consumidores que não tinham consumido recentemente apresentavam uma função cognitiva inferior.
Apesar destes resultados, o estudo não detetou quaisquer deficiências significativas relacionadas com a canábis em seis outras áreas da cognição. Os investigadores sugerem que a abstinência prolongada pode ajudar a restaurar a função cognitiva, embora a duração exata necessária ainda não seja clara.
“A duração exata deste período de abstinência não é clara, mas os estudos sugerem que os efeitos cognitivos residuais da canábis podem permanecer durante 2 a 4 semanas após a abstinência”, escrevem os autores.
Mas os investigadores alertam que deixar de consumir canábis subitamente pode até piorar a função cognitiva antes de ocorrerem melhorias. “As pessoas têm de estar conscientes da sua relação” com a planta, explica o autor principal, Joshua Gowin.