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Inspetor do SEF informou procuradora que corpo de Ihor “estava maltratado”, mas que morreu de “epilepsia”

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A procuradora que recebeu a comunicação da morte de Ihor Homeniuk declarou esta quarta-feira que um inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) lhe disse que o corpo do cidadão ucraniano “estava um pouco maltratado”, mas que o óbito estaria relacionado com crise epilética.

Alexandra Catatau falava no julgamento sobre o alegado homicídio de Ihor Homeniuk no Centro de Instalação Temporária (CIT) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, após ter sido arrolada como testemunha por Ricardo Sá Fernandes (advogado do arguido Bruno Sousa) para esclarecer se tinha havido qualquer tentativa de ocultar ao Ministério Público (MP) o que se passara com a morte do passageiro ucraniano.

A magistrada relatou que, na tarde de 12 de março de 2020, recebeu uma chamada telefónica de um inspetor do SEF a informar da morte do passageiro, tendo-lhe sido dito que “a morte deveria ter sido por epilepsia“, pois na véspera o cidadão ucraniano “já teria ido ao hospital” por causas relacionadas com epilepsia.

A procuradora disse ainda em tribunal que o inspetor do SEF lhe comunicou que o falecido “estava um pouco maltratado” e que, ao fazer perguntas sobre esse facto, obteve como resposta, do mesmo inspetor, que tinham ocorrido desacatados com o passageiro e que houve necessidade de o manietar.

A magistrada do MP referiu que, perante o que lhe foi dito pelo inspetor, solicitou que tais factos deviam constar no relatório que o SEF lhe iria enviar, e que, ao receber o expediente por escrito, ordenou a posterior realização de autópsia ao corpo de Ihor Homeniuk.

As declarações da procuradora em tribunal resumiram-se a uma questão formulada por Ricardo Sá Fernandes, não tendo os restantes intervenientes colocado mais perguntas à procuradora que estava de turno no dia da morte de Ihor Homeniuk.

No final da audiência e no exterior do tribunal, Ricardo Sá Fernandes esclareceu aos jornalistas que a intenção de chamar a depor a procuradora foi a de apurar se tinha havido “ocultação de alguma coisa” relacionada com os procedimentos seguintes à morte do passageiro ucraniano.

Segundo o advogado de defesa, a procuradora/testemunha “descreveu em termos de perfeita normalidade o que tinha acontecido”, o que, em seu entender, é “efetivamente o contrário” daquilo que pretendeu transmitir, ou seja, que houve uma tentativa de ocultar o ocorrido com Ihor Homeniuk.

Questionado sobre se, face à informação de que o corpo de Ihor Homeniuk estava “um bocado maltratado”, a magistrada não deveria ter ido ao local ou alertado a PJ antes de o cadáver ter sido removido, Ricardo Sá Fernandes respondeu: “De maneira nenhuma. Era ordenar a autópsia e em função disso definir o que tinha que ser efetuado”.

Ainda em declarações aos jornalistas, o advogado considerou que “a procuradora agiu com toda a diligência e fez aquilo que tinha que fazer“, observando que para a defesa o que merece crítica é “o que se passou depois da autópsia, por não terem sido feitos todos os exames que deviam ter sido feitos”, bem como terem autorizado a cremação do corpo, situação que “não devia ter acontecido”.

Durante a sessão foi também ouvido, entre outras testemunhas, o inspetor Ricardo Giriarte, que foi quem comunicou ao MP a morte de Ihor Homeniuk, tendo este elemento do SEF dito ainda que comunicou que havia hematomas nos braços de Ihor, o qual tinha sido amarrado devido ao seu comportamento instável.

Ricardo Giriarte relatou ao coletivo de juízes que, antes da morte do passageiro, encontrou Ihor deitado, em posição lateral, reparando que “estava urinado”, de “olhos abertos” e ainda “respirava”. Disse ainda ter trocado algumas palavras em russo que sabia com o passageiro, mas que este já “não reagia”, estando o cidadão ucraniano “atado nos pés e mãos”.

Descreveu também os acontecimentos posteriores, incluindo a paragem cardiorrespiratória de Ihor e as tentativas infrutíferas da Cruz Vermelha e, mais tarde, do INEM para o reanimar.

Durante a autópsia, o médico do Instituto Nacional de Medicina Legal (INCML) quando viu o corpo de Ihor, 40 anos, com sinais de violência (hematomas e escoriações), alertou imediatamente a PJ, tendo concluído que o passageiro ucraniano morreu por asfixia lenta após sofrer múltiplas fraturas das costelas motivadas por “energia externa”.

Segundo o Ministério Público (MP), em março de 2020, o cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, foi conduzido à sala do Estabelecimento Equiparado a Centro de Instalação, no Aeroporto de Lisboa, para aguardar pelo embarque num voo com destino a Istambul, tendo-se recusado a fazê-lo.

Perante a agitação que apresentava, Ihor Homenyuk acabou por ser isolado dos restantes passageiros estrangeiros, onde permaneceu até ao dia seguinte, tendo sido “atado nas pernas e braços”, mas acabou por ficar “apenas imobilizado nos tornozelos”.

Os inspetores, que estão agora a ser acusados, dirigiram-se à sala onde estava o cidadão, tendo-lhe algemado as mãos atrás das costas, amarrado os cotovelos com ligaduras e desferido um número indeterminado de socos e pontapés no corpo.

Horas depois, e depois de a vítima não reagir, acabou por ser acionado o INEM e uma viatura médica de emergência, tendo o médico de serviço da tripulação verificado o óbito do cidadão ucraniano.

As agressões cometidas pelos inspetores do SEF, que agiram em comunhão de esforços e intentos, provocaram a Ihor Homenyuk “diversas lesões traumáticas que foram causa direta” da sua morte.

Três inspetores do SEF – Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva – acusados do homicídio qualificado de Ihor Homenyuk estão em prisão domiciliária desde a sua detenção, em 30 de março.

ZAP // Lusa

 

 

12 Comments

  1. Ao belo modo Português já todos perceberam que a morte de Ihor Homenyuk não é culpa do SEF.
    Quem tem culpa pode possivelmente ter sido o varredor do corredor que pela limpeza infligida causou o Igor a escorregar e cair.
    Mas linguisticamente podemos mesmo encontrar o culpado: Ihor Homenyuk morreu. Verbo = morrer. 1ª pessoa:
    Foi o próprio Ihor Homenyuk que fez a sua morte.
    Ninguém lhe mandou morrer, nem pediu sequer por favor
    triste

      • É e não é. A minha experiência com o SEF e com os e as elementos que a componham, infelizmente é que aí existe uma cultura específica do tipo ‘Tuuga Supremacy’

      • ‘Tuuga Supremacy’?!
        Hahahaaa… esta nunca tinha ouvido!…
        Parece a América… ou os ciganos a falar da polícia, porque coitadinhos, são sempre “vitimas” das auroridades!
        Da minha experiência com o SEF nunca vi nada estranho ou fora do padrão para uma polícia – bem diferente do que já vi noutros paises europeus, onde não costumam ser tão “meigos”!…
        O SEF lida diariamente com gente de origem duvidosa (principalmente da América Latina e Europa de Leste) e nem sempre é fácil… ainda assim passam muitos bandidos/criminosos para o território português!…
        De qualquer modo, Portugal sempre foi dos melhores países do mundo na integração de emigrantes:
        “Portugal é dos 10 países com melhores políticas de integração de migrantes”
        zap.aeiou.pt/portugal-10-paises-politicas-integracao-migrantes-356142

      • Em geral estamos bem em Portugal no que toca a autoridade policial. Evidentemente que um(a) policia não pode ser qualquer um. Mas não é preciso gostar de aplicar violência para poder ser um bom profissional.
        QB – quanto basta.
        Nem é preciso odiar todos os estrangeiros só por serem ‘potenciais criminosos’.
        Até se podia pensar que é uma atitude de defesa por parte de quem tem medo.

      • Não percebi parte do texto… a polícia gosta de violência e/ou odeia estrangeiros??!
        De certeza que te referes à policia de Portugal?
        Obviamente que este caso do SEF é a excepção que confirma a regra e, sinceramente (não desculpando os agentes envolvidos), acho que há qualquer coisa que não bate certo neste caso do SEF!…

      • Este “Eu!” é uma nódoa a Português. Nunca tinhas ouvido o quê? Os comentários aqui não são sonoros, são por palavras.

  2. Não descarto a possibilidade de haver gato aqui, claro. Não é normal para quase ninguém de bater alguém até a morte. O assassino não pode dizer que foi sem querer, pois o envolvimento é bastante intenso. Então o que leva a um acto destes. A vitima falou mal de Portugal? ou da mãe do(s) perpetrador(es)? Ou do Cristiano? Não pode ser, não houve lingua em comum. Então mostrou lhe(s) o dedinho, se calhar. Assim já é compreensível que uma pessoa normalmente estável, como um policia do SEF, perdesse a cabeça.
    Mas aqui é mesmo um Estado chamado Portugal que mata uma pessoa assim sem mais nem menos. Se fosse o Putin, toda gente achava normal, é um bárbaro.
    A não ser que tudo apenas foi a filmagem de um episódio da Homeland (Please Carrie me back)

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