Lançando luz sobre a inesperada complexidade química do cometa 67P/C-G

Universidade de Berna

Os dados do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, recolhidos enquanto o cometa passava o ponto da sua órbita mais próximo do Sol, mostram uma pletora de moléculas surpreendentes.

Uma equipa de investigadoras lideradas pela Universidade de Berna identificou, pela primeira vez, uma riqueza inesperada de moléculas orgânicas complexas num cometa.

Isto foi conseguido graças à análise dos dados recolhidos durante a missão Rosetta da ESA no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, ou 67P/C-G.

Entregues à Terra graças ao impacto de cometas, estes compostos orgânicos podem ter ajudado a dar o “pontapé de saída” da vida baseada no carbono tal como a conhecemos.

Os cometas são fósseis dos tempos antigos e das profundezas do nosso Sistema Solar, e são relíquias da formação do Sol, dos planetas e das luas.

Uma equipa liderada pela química Dra. Nora Hänni do Instituto de Física da Universidade de Berna, Departamento de Investigação Espacial e Ciências Planetárias, conseguiu agora pela primeira vez identificar toda uma série de moléculas orgânicas complexas num cometa, tal como relatam num estudo publicado no final de junho na prestigiada revista Nature Communications.

Análise mais precisa com espectrómetro de massa

Em meados da década de 1980, uma frota de naves espaciais foi enviada pelas grandes agências espaciais para passar pelo cometa Halley.

A bordo estavam vários espectrómetros de massa que mediam a composição química tanto da cabeleira do cometa — a atmosfera fina devido à sublimação dos gelos cometários perto do Sol —, como também a das partículas de poeira de impacto.

No entanto, os dados recolhidos por estes instrumentos não tinham a resolução necessária para permitir uma interpretação inequívoca.

Agora, mais de 30 anos depois, o espectrómetro de massa de alta resolução ROSINA, um instrumento liderado por Berna a bordo da sonda Rosetta da ESA, recolheu dados no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, também conhecido como 67P/C-G, entre 2014 e 2016. Estes dados permitem agora que os investigadores esclareçam pela primeira vez o complexo “orçamento” orgânico de 67P/C-G.

O segredo estava escondido na poeira

Quando 67P/C-G atingiu o seu periélio, o ponto orbital mais próximo do Sol, tornou-se muito ativo. A sublimação de gelos cometários criou fluxos que arrastaram com eles partículas de poeira.

As partículas expelidas eram aquecidas pela irradiação solar a temperaturas superiores às normalmente registadas na superfície cometária.

Isto permitiu a libertação de moléculas maiores e mais pesadas, tornando-as disponíveis para o espectrómetro de massa de alta resolução ROSINA-DFMS (Rosetta Orbiter Sensor for Ion and Neutral Analysis-Double Focusing Mass Spectrometer).

A astrofísica e professora emérita Dra. Kathrin Altwegg, investigadora principal do instrumento ROSINA e coautora do novo estudo, diz: “Devido às condições extremamente poeirentas, a nave espacial teve de recuar para uma distância segura pouco superior a 200 km acima da superfície cometária para que os instrumentos pudessem funcionar em condições estáveis”.

Assim, foi possível detetar espécies compostas de mais do que um punhado de átomos que anteriormente tinham permanecido escondidas na poeira cometária.

A interpretação de dados tão complexos é um desafio. No entanto, a equipa de investigadoras identificou com sucesso uma série de moléculas orgânicas complexas, que nunca tinham sido encontradas num cometa antes.

“Encontrámos, por exemplo, naftalina, responsável pelo cheiro característico das bolas de naftalina. E também encontrámos ácido benzoico, um componente natural do incenso. Além disso, identificámos o benzaldeído, amplamente utilizado para conferir sabor a amêndoa aos alimentos, e muitas outras moléculas”, diz Hänni

Estes compostos orgânicos pesados tornam o “aroma” de Chury ainda mais complexo, mas também mais apelativo, como sublinha a especialista.

Além destas moléculas fragrantes, também muitas espécies com a chamada funcionalidade pré-biótica foram identificadas no orçamento orgânico de 67P/C-G (por exemplo, formamida).

Tais compostos são intermediários importantes na síntese de biomoléculas (por exemplo, açúcares ou aminoácidos).

“Por conseguinte, parece provável que os cometas impactantes — como fornecedores essenciais de matéria orgânica — também tenham contribuído para o aparecimento da vida baseada no carbono na Terra”, explica Hänni.

Compostos orgânicos em Saturno e nos meteoritos

Para além da identificação de moléculas individuais, os investigadores também realizaram uma caracterização detalhada do conjunto completo de moléculas orgânicas complexas no cometa 67P/C-G, permitindo colocá-lo no contexto maior do Sistema Solar.

Parâmetros como a fórmula da soma média deste material orgânico ou a geometria de ligação média dos átomos de carbono nele contidos são importantes para uma vasta comunidade científica, desde astrónomos a cientistas do Sistema Solar.

“Acontece que, em média, o complexo orçamento orgânico de 67P/C-G é idêntico à parte solúvel da matéria orgânica meteórica”, explica Hänni e acrescenta:

“Adicionalmente, para além da quantidade relativa de átomos de hidrogénio, o orçamento molecular de 67P/C-G também se assemelha fortemente à matéria orgânica que chove em Saturno a partir do seu anel mais interior, como detetado pelo espectrómetro de massa INMS a bordo da sonda Cassini da NASA.”

“Não só encontrámos semelhanças nos reservatórios orgânicos do Sistema Solar, mas muitas das moléculas orgânicas de 67P/C-G estão presentes em nuvens moleculares, os locais de nascimento de novas estrelas”, complementa a professora Dra. Susanne Wampfler, astrofísica do CSH (Center for Space and Habitability) da Universidade de Berna e coautora da publicação.

“As nossas descobertas são consistentes e apoiam o cenário de uma origem pré-solar partilhada dos diferentes reservatórios do material orgânico do Sistema Solar, confirmando que os cometas transportam, de facto, material de tempos muito anteriores à formação do Sistema Solar”.

// CCVAlg

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