O projeto piloto que arranca em 2022 é o ponto de partida para a criação de bases de dados abertos e atualizados em tempo real da propriedade em Portugal.
Segundo o Público, à semelhança do cartão de cidadão que agrega a informação de cada indivíduo, também as propriedades vão passar a ser identificadas por um número único.
O ano de 2022 marca o início de uma nova etapa na história da propriedade em Portugal. A partir do segundo semestre, vai ser lançado o Número de Identificação do Prédio (NIP), um registo único que vai funcionar para as propriedades, da mesma forma que o cartão de cidadão funciona para os indivíduos, juntando toda a informação relativa à identidade predial num único número.
O projeto vai arrancar, inicialmente, apenas para as propriedades rústicas, podendo depois alargar-se também para as urbanas.
São os primeiros passos para a criação de uma ideia já antiga, que só agora será possível: bases de dados abertos, interoperáveis e atualizados em tempo real, relativos a toda a informação disponível sobre as propriedades rústicas e urbanas.
O NIP surgiu no âmbito do Balcão Único do Prédio (BUPi), que permite aos proprietários de terrenos rústicos, sem a documentação organizada e as propriedades devidamente identificadas geograficamente, atualizarem os respetivos registos.
A plataforma, lançada em 2017, ganhou novo fôlego no ano passado, quando, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), foram disponibilizados fundos comunitários para que os 153 municípios identificados pelo governo como não tendo cadastro territorial das propriedades rústicas pudessem financiar a instalação de BUPi nos seus territórios.
Dos 153 identificados pelo governo, 141 municípios aderiram ao projeto e, desses, são 117 já funcionam com balcões de atendimento para registo de propriedades.
Segundo Pedro Tavares, coordenador da Estrutura de Missão para a Expansão do Cadastro Simplificado, até ao princípio do mês de fevereiro os restantes municípios aderentes também já deverão estar a trabalhar com o BUPi.
Por esta altura, já foram concluídas 250 mil identificações de territórios, as chamadas representações gráficas georreferenciadas, e cerca de 44% do território dos municípios que participam no projeto já está totalmente mapeado, uma percentagem que deverá aumentar consideravelmente nos próximos meses.
O objetivo é que, até 2023, se conheçam os reais proprietários e os limites de todas as propriedades, em 90% do território destes concelhos.
Anabela Pedroso, secretária de Estado da Justiça, afirmou em entrevista ao Público que “este poderá ser um momento crucial para a reforma da propriedade em Portugal.
“Hoje, cada proprietário tem o seu registo predial, mas tem também uma matriz, que está na Autoridade Tributária, um número de registo, outro número se tiver alguma propriedade arrendada, outro número na Direção Geral do Território, caso queira fazer algum tipo de georreferenciação da sua propriedade, e cada município tem os seus próprios números associados a cada propriedade e aos seus sistemas de informação geográfica”, acrescenta.
“Poder fazer, no contexto da propriedade, aquilo que se fez com o cartão de cidadão no contexto da identidade civil será, talvez, a parte mais importante do trabalho de identificação do dono e da localização de cada propriedade”, conclui.
O lançamento do NIP será feito de forma gradual e em simultâneo com a identificação e registo das terras e propriedades.
“Para que isto funcione, temos de ter as várias entidades que gerem a propriedade e o território a comunicar entre si. Esse processo de reengenharia dos sistemas já está a decorrer e, ao mesmo tempo, temos de ter as pessoas mobilizadas para fazerem a tal identificação do território”, realça Pedro Tavares.
“À medida que isso for conseguido e tivermos a capacidade de ter a informação harmonizada, podemos começar a gerar os NIP”, explica o coordenador.
À semelhança do que aconteceu com o BUPi, o NIP vai arrancar em projeto piloto nas chamadas Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), zonas mais vulneráveis ao risco de incêndios onde se promove a gestão comum de espaços agrícolas e florestais, sobretudo na região Centro.
O lançamento dos NIP, a partir do segundo semestre, começará por ser feito em apenas uma ou duas destas áreas, alargando-se, ao longo de 2023, por mais zonas.
“Iremos focar-nos, inicialmente, na zona do Pinhal Interior, onde nasceu grande parte dos municípios do projecto do BUPi, a seguir aos fogos de 2017. Estamos a falar de Proença-a-Nova, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Penela, Góis, Sertã”, detalha o coordenador do BUPi.
Zonas urbanas incluídas
Testado o modelo, o NIP começará a ser lançado noutras regiões, até chegar a todo o país. Não existe uma meta temporal para que todas as propriedades tenham um número de identificação, até porque o sucesso do projeto estará sempre dependente da iniciativa dos proprietários a identificarem e registarem as suas terras.
Mas os responsáveis acreditam que, até ao final de 2025, quando termina a implementação do PRR, “haverá um número muito significativo de prédios” que irão ter NIP, incluindo nas zonas urbanas.
“Se o projeto correr bem nesta fase de reconhecimento da terra rústica, o que será natural é que, em dado momento, se junte ao projeto a componente já hoje muito bem conhecida do prédio urbano. Haverá uma harmonização da informação entre a propriedade rústica e a urbana, passando, então, a conhecer-se lato sensu a propriedade em Portugal”, resume a secretária de Estado da Justiça.
Essa, acrescenta a governante, é “uma ideia muito antiga, com talvez mais de 30 anos”, mas que só agora, com a identificação das terras em andamento e os meios tecnológicos que permitem a interoperabilidade de informações provenientes de diferentes origens, será possível.
“Tivemos de chegar ao ponto em que temos maturidade, até do ponto de vista tecnológico, para poder fazer isto”, afirma.
A possibilidade de identificar qualquer tipo de propriedade através de um único número permitirá, por sua vez, a criação de bases de dados abertos e atualizados em tempo real, um cenário que poderá contribuir para a construção mais célere e eficaz de políticas públicas relativas ao ordenamento do território.
“Temos a possibilidade de agregar a informação para dar respostas integradas conforme as necessidades, razão pela qual temos tido uma adesão tão grande por parte das autarquias. Um dos maiores problemas que sempre tivemos foi o atraso em termos da atualização da informação”, conclui Anabela Pedroso.