A “ilusão do fim da história” influencia as nossas escolhas mais do que pensa

Se examinar a sua história de vida, provavelmente irá identificar uma série de transformações que fizeram com que se tornasse a pessoa que é hoje.

Pode ter sido tímido na infância e encontrado mais confiança no ambiente de trabalho. Ou talvez fosse uma criança rebelde que acabou por encontrar a paz interior. Muitas pessoas descrevem estes processos como a sua jornada pessoal.

Agora, se olhar para o futuro, certamente poderá visualizar eventos importantes na sua trajetória, mas pode ser difícil imaginar as transformações futuras das suas principais características.

É como se o seu sentido de si próprio tivesse chegado ao seu destino. Considera que irá manter as mesmas características, valores e interesses que tem hoje.

“Nós reconhecemos a nossa evolução de quem éramos no passado para quem somos hoje, mas não conseguimos observar que iremos continuar a mudar no futuro”, observa o psicólogo Hal Hershfield, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados Unidos, e autor do novo livro Your Future Self (“O seu ‘eu’ futuro”, em tradução livre).

Este viés é conhecido como a “ilusão do fim da história” e pode trazer consequências infelizes para a nossa vida pessoal e profissional.

O estudo científico da ilusão de fim da história começou com o programa de TV Leurs Secrets du Bonheur (“Os seus segredos da felicidade”, em tradução livre). Como o seu nome sugere, o programa lidava com a ciência do bem-estar e os telespectadores eram frequentemente convidados a participar em estudos no website do programa.

Usando esta oportunidade para atingir uma grande audiência, o professor Jordi Quoidbach (atualmente, na Universidade Esade Ramon Llull, na Espanha) e os seus colegas prepararam uma série de questionários, pedindo aos participantes que refletissem sobre o seu passado, presente e futuro. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Science.

O primeiro estudo concentrou-se na personalidade. Os voluntários autoavaliaram-se em relação a uma série de características. Numa escala de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente), responderam, por exemplo, se se consideravam:

  • extrovertidos, entusiasmados
  • críticos, conflituosos
  • confiáveis, autodisciplinados
  • ansiosos, facilmente perturbados
  • abertos para novas experiências, complexos

Em seguida, os investigadores pediram a metade dos participantes que respondesse à mesma pergunta 10 anos no passado e, à outra metade, 10 anos no futuro.

Mais de 7,5 mil participantes responderam, com idades variando de 18 a 68 anos. Isso permitiu que Quoidbach e os seus colegas avaliassem o quanto as pessoas percebem a sua trajetória de mudanças pessoais em muitas fases de vida diferentes.

Faria sentido que um recém-formado, que acabou de entrar na vida adulta, considerasse a sua jornada de vida de forma muito diferente de alguém que está a chegar à idade de se reformar. Mas, de forma geral, a idade dos participantes fez pouca diferença.

Embora a média dos participantes observasse mudanças consideráveis de personalidade no passado, eles previram que iriam vivenciar poucas alterações no futuro. Eles pareciam pensar que a sua personalidade permaneceria congelada na forma atual pelo resto das suas vidas.

Para testar se a ilusão do fim da história se estenderia aos valores pessoais de cada um, os cientistas recrutaram uma nova amostra de 2,7 mil participantes. Pediram que os participantes indicassem a importância de conceitos como hedonismo, realização e tradição nas suas vidas. E, em seguida, deveriam imaginar quais seriam as suas respostas 10 anos no passado ou 10 anos no futuro.

A conclusão foi que a ilusão do fim da história estava a pleno vapor – as pessoas reconheciam como os seus valores mudaram no passado, mas foram incapazes de prever as mudanças futuras.

Mudanças e incertezas

No seu novo livro sobre o conceito de si mesmo, Hershfield relaciona a ilusão do fim da história às pesquisas sobre a confiança excessiva em geral.

“A maioria das pessoas gosta de si própria, acreditando que as suas personalidades são atraentes para os demais e que os seus valores devem ser admirados. Pode ser assustador pensar que, se fôssemos mudar, estaríamos a abandonar esta posição de nobreza e, por isso, tentamos fixar-nos a quem somos agora”, escreve.

Hershfield propõe que a ilusão do fim da história também pode reduzir as sensações problemáticas causadas pela incerteza.

“Gostamos de pensar que nos conhecemos bem e a noção de que nossas personalidades, valores e preferências podem vir a mudar talvez produza uma ansiedade existencial. Se não sabemos como podemos ser diferentes no futuro, como sabemos realmente quem nós somos hoje?”, questiona o autor.

Mas o conforto psicológico que isso oferece, às vezes, pode ter um custo, se prejudicar o nosso julgamento em decisões importantes da vida. Hershfield sugere que a ilusão do fim da história pode levar-nos a postergar experiências agradáveis até não as querermos mais.

Se anseia viajar, por exemplo, poderá adiar constantemente os seus planos até que tenha economizado dinheiro suficiente para pagar uma viagem de luxo. Mas, quando  conseguir o dinheiro, pode já ter perdido o anseio de explorar novos locais – porque aquele momento já passou. Talvez tivesse sido melhor aproveitar um dia de cada vez.

O mais importante é que a ilusão do fim da história nos pode colocar em caminhos profissionais que não nos ofereçam realização a longo prazo.

Um dia, pode ter considerado que o alto salário era mais importante que o seu interesse inerente pelo trabalho que faz – o que pode muito bem ter sido verdade naquela época. Mas, quando chega à casa dos 30 anos de idade, esses valores podem ter mudado e, agora, talvez anseie por uma paixão.

“Aqui está o problema: quando nos deparamos com novos rumos na carreira ou perspetivas de emprego, se cometermos erros tendo em conta o que achamos que terá importância, podemos decidir seguir (ou não) caminhos de que nos arrependeremos mais tarde”, escreve Hershfield.

Por isso, embora certamente não haja nada de errado em celebrar a nossa “jornada”, todos nós faríamos bem em examinar um pouco mais de perto todos os possíveis caminhos à nossa frente.

ZAP // BBC

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